Eleições na Turquia. Erdoğan procura reforçar poder contra oposição emergente

por Andreia Martins - RTP
O atual Presidente está no poder desde 2003, tendo ocupado o cargo de primeiro-ministro até 2014 Goran Tomasevic - Reuters

No próximo domingo, cerca de 56.3 milhões de turcos vão a votos. As eleições presidenciais e parlamentares realizam-se em paralelo e marcam a transição para um regime presidencialista, em que até o cargo de primeiro-ministro vai desaparecer. A mudança almejada pelo presidente pode representar um domínio ainda mais avassalador por parte de Recep Tayyip Erdoğan, no poder desde 2003. No entanto, a invulgar união de forças entre os principais partidos de oposição e as dificuldades económicas sentidas nos últimos meses podem revelar-se fatores decisivos para um resultado inesperado.

No Palácio Presidencial de Ancara, concluído em 2014 – ano em que Recep Tayyip Erdoğan venceu as eleições presidenciais depois de ter sido primeiro-ministro durante mais de uma década – a agitação dos últimos meses é notória.

O complexo, com mais de 1.000 divisões, terá custado mais de 600 milhões de dólares, tem 300 mil metros quadrados de área, está longe dos olhares da população e dos media. No entanto, a revista Der Spiegel chegou ao contacto com dezenas de conselheiros e pessoas próximas do Presidente turco durante os últimos meses. De várias entrevistas, a publicação conclui: Erdoğan, atualmente com 64 anos, é um político que está em vias de conquistar um poder absoluto no país, mas que vive com pavor de o perder na totalidade. 

De facto, a possibilidade de perder as eleições é um dos cenários em cima da mesa para estudiosos e especialistas. Seja com a vitória ou com a derrota do atual Presidente, tudo na Turquia pode mudar a partir de domingo.   


Erdoğan é desde já o líder mais duradouro da história da Turquia, tendo ultrapassado Mustafa Kemal Atatürk, fundador da República da Turquia, que liderou o país entre 1923 e 1938. O atual líder turco tira o maior partido dos desenvolvimentos da última década que modernizaram o país, mas poderá ainda assim sair de cena no próximo domingo, com uma inesperada conjugação de fatores que seriam impensáveis há apenas dois meses.  
Em abril último, o atual Presidente anunciou a
Com o referendo em abril de 2017, a Turquia passou de um sistema parlamentar para uma presidência executiva.  
antecipação das eleições para junho, um escrutínio que só deveria realizar-se em novembro de 2019. A medida foi tomada para assumir total controlo da Turquia, depois de ter conseguido, em abril de 2017, a aprovação de um referendo constitucional (com 51% de votos) que reforça os poderes do Presidente.  

Segundo este novo enquadramento, o poder executivo passa a estar nas mãos do chefe de Estado, que será também chefe de Governo. O vencedor das eleições de domingo terá poderes reforçados, cabendo ao novo Presidente nomear e destituir ministros, nomear juízes, decretar o estado de emergência ou até mesmo dissolver o Parlamento.  
Crise económica no horizonte?

A justificação oficial para antecipar estas eleições foi, precisamente, a necessidade confirmar, desde já, a transição do regime.  

“Ainda que o Presidente e o Governo estejam a trabalhar em harmonia tanto quanto possível, as doenças do antigo sistema deparam-se-nos a cada passo. Os últimos desenvolvimentos na Síria e no resto do mundo tornam necessária esta mudança para o sistema executivo, para que possamos dar passos mais fortes pelo futuro do nosso país”, explicava Erdoğan em abril.  

Os especialistas assinalam, no entanto, que a antecipação de eleições pode ser também justificada pela iminente crise económica que a Turquia poderá atravessar.

O colapso da lira turca, que desvalorizou 20 por cento em relação ao dólar desde o início do ano, e os valores da inflação, a chegarem aos 12 por cento, levaram o Presidente a querer garantir a reeleição antes de uma eventual recessão económica semelhante à de 2001. Uma recessão que, na altura, provocou a queda do Governo de Abdullah Gül e a ascensão ao poder de Erdoğan, anteriormente autarca de Istambul. Agora, a história pode repetir-se.  

“Esta é uma situação em que Erdoğan não pode culpar mais ninguém. Não é como se o Governo fosse controlado por outra pessoa, de tal forma que pudesse dizer: elejam-me para que possa melhorar a situação do país. Este é o seu ponto fraco e ele sabe”, refere Asli Aydintasbas, investigador no European Council on Foreign Relations.   

A CNN escrevia esta sexta-feira que o tiro “pode sair pela culatra”, perante aquele que define o “mais difícil desafio político” do atual Presidente. As sondagens mais recentes admitem a possibilidade de Erdoğan não conseguir reunir 50 por cento dos votos, o que levaria a uma segunda volta, a realizar-se no dia 8 de julho.  

Esta possibilidade, do ponto de vista de Erdoğan, será de evitar a todo o custo, uma vez que todos os principais partidos de oposição assinaram um acordo de princípio onde prometem votar no candidato que enfrente o atual Presidente, independentemente das cores politicas do seu partido.  
Dois anos após a tentativa de golpe
O Presidente turco tem usado a tentativa de golpe de Estado, ocorrida há praticamente dois anos, para liderar o que muitos consideram ser uma “purga” na sociedade turca. O contexto do estado de emergência, vigente desde julho de 2016, é visto por muitos como um pretexto para perseguir e prender e investigar todos os que se lhe opõem, desde jornalistas, opositores políticos, ativistas de direitos humanos, curdos e, claro, apoiantes de Fettullah Gülen, exilado nos Estados Unidos.  

Segundo um relatório recente da Comissão Europeia, mais de 150 mil pessoas foram detidas durante o estado de emergência nos últimos dois anos. O mesmo documento indica que 78 mil pessoas foram presas e mais de 110 mil funcionários públicos foram dispensados, enquanto as autoridades turcas asseguram que, desde, cerca de 40 mil foram reintegrados.  

O jornal The Guardian destacava esta sexta-feira que a Turquia é a maior “carcereira” de jornalistas do mundo depois da China e Egipto. Só em 2017 foram presos 73 jornalistas, num total de 120 repórteres desde o golpe falhado de julho de 2016. Taner Kılıç, responsável pela Amnistia Internacional na Turquia, está preso há mais de um ano.  

No entanto, nem toda a oposição política desapareceu do mapa. É o caso de Muhrarrem Ince, de 54 anos, um antigo professor de Física que tem conseguido mobilizar largas multidões nos últimos comícios de campanha.  

Candidato pelo partido de centro-esquerda CHP, força política que perdeu todas as eleições nos últimos 15 anos contra o AKP de Erdoğan, Ince – deputado na Grande Assembleia Nacional, nome formal do Parlamento turco, há 16 anos - apresenta-se como o líder carismático que tem faltado àquela força política desde o início do século.   

Muhrarrem Ince durante um comício

“Esta parece ser uma corrida entre Muharrem Ince e Erdoğan. E isso nunca aconteceu antes. Sempre foi fácil para Erdoğan e ele basicamente concorria contra ele próprio”, refere Asli Aydintasbas.  

Nos comícios e entrevistas, Muharrem Ince faz questão de assinalar a fragilidade económica que se faz sentir na Turquia. Em entrevista à CNN, o candidato diz que a Turquia “está cansada”.  

“As instituições foram tomadas. A democracia turca foi destruída. Apenas um homem manda na Turquia. A Turquia tem de encontrar uma forma de sair desta situação”, referiu numa entrevista à CNN.  

Ince mostra até simpatia pelo principal partido curdo, o HDP, cujo candidato, Selahattin Demitras, está detido em regime solitário há mais de um ano, a aguardar julgamento. O governo acusa Demitras de terrorismo, e o HDP garante que estas incriminações têm “motivações políticas”. 
Primeira eleição com coligações

Precisamente, o número de votos alcançados pela minoria curda pode ser decisivo para o equilíbrio de poderes no Parlamento turco, uma vez que só as forças políticas com mais de 10 por cento dos votos podem ser representadas a nível parlamentar.  

Se o HDP passar essa margem, poderá conquistar lugares que poderiam ser arrecadados pelo AKP, geralmente o partido com mais votos, inviabilizando dessa forma a maioria que detém no Parlamento.  

Caso não ultrapasse os 10 por cento, esses lugares irão acabar por reforçar o partido do poder. De realçar que, na nova distribuição, serão eleitos 600 deputados no novo hemiciclo, em vez de 550 como acontecia antes do referendo constitucional de 2017.

Pela primeira vez nas eleições parlamentares, os partidos turcos podem unir-se em coligações eleitorais. Uma medida preventiva de Erdoğan, para tentar assegurar a maioria absoluta alcançada nas eleições de 2015. Por isso, o AKP, partido no poder, juntou-se neste escrutínio a Devlet Bahçeli, do MHP, na “Aliança do Povo”.  

A coligação da oposição, a “Aliança da Nação”, apresenta uma conjugação de diferentes cores, contando com o CHP de Muharrem Ince, mas também com forças da direita nacionalista – o Iyi Pari – e ainda o Saadet, partido islamita conservador, uma união sugerida pela curta margem de vitória alcançada por Erdoğan no referendo de 2017 – apenas com 51.4% de votos. Por sua vez, os curdos do HDP e do Hüda-Par concorrem sozinhos. 
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