Eleições nos EUA. Sindicatos debatem recurso à greve em caso de golpe de Estado

por RTP
O líder sindical Richard Trumka, discursando diante do Capitólio (foto de 2011) Darren Hauck, Reuters

As insistentes declarações de Donald Trump, prometendo não acatar os resultados eleitorais se estes lhe forem desfavoráveis, têm suscitado preocupação nos mais diversos quadrantes, desde o Partido Democrata aos activistas de Black Lives Matter. Agora, inesperadamente, chegou a vez dos sindicatos.

Trump tem sido o grande beneficiário de descontentamentos acumulados na classe operária norte-americana e o retrato-robot do eleitor médio do presidente, agora re-candidato pelo Partido Republicano, é o do operário branco, de meia idade e do sexo masculino.

Isto, somado ao tradicional conservadorismo da organização sindical norte-americana, impregnada de ideologia antisocialista dos pés à cabeça e desde há muitas décadas, faria supor que os sindicatos permanecessem indiferentes à preocupação que causaram as inéditas declarações de Trump, no sentido de pôr em causa um veredicto desfavorável das urnas.

No entanto, uma breve súmula de iniciativas em curso no movimento sindical, hoje publicada na plataforma digital Jacobin por uma figura destacada dos DSA (Democratic Socialists of America), Dan la Botz, mostra que algo está a mudar e que, pela primeira vez na História, há sectores importantes desse movimento que ponderam o recurso a algo tão desconhecido na história do país como seria a greve geral.

Depois de ter descrito como está a discutir-se nos sindicatos "como defender o direito dos membros [do sindicato] a votarem, como proteger o processo de votação, as máquinas, as urnas e a contagem", La Botz cita a declaração de Richard Trumka, o presidente da poderosa central sindical AFL-CIO, em 25 de setembro:

"A AFL-CIO rejeita categoricamente todas as ameaças à transferência pacífica do poder. O movimento operário simplesmente não permitirá qualquer atentado contra a Constituição dos EUA ou qualquer outra tentativa para negar a vontade do povo. Os membros dos sindicatos de todo o espectro político estão unidos na nossa convicção fundamental de que os votos do povo americano devem sempre decidir a presidência. Os trabalhadores americanos continuarão firmes na defesa da nossa democracia perante as palhaçadas do presidente Trump e estaremos prontos para fazer a nossa parte em garantir que a sua derrota nesta eleição seja seguida pela sua saída do cargo".

Apesar da sua linguagem truculenta a declaração do líder sindical não dá qualquer indicação prática sobre o que a organização estaria disposta a fazer no caso de Trump, como prometeu, pôr em causa uma vitória eleitoral de Biden.

Mas o Conselho do Trabalho de Rochester, também citado por La Botz, vai muito mais longe em precisar o que poderia ser feito. Na resolução aí aprovada, o Conselho apela à AFL-CIO e a todos os sindicatos nela filiados no sentido de "se prepararem para convocar uma greve geral de todos os trabalhadores, se necessário, para garantir a transferência pacífica de poderes determinada pela Constituição como resultado das eleições presidenciais de 2020".

No mesmo sentido, a Associação de Seattle para a Educação prometeu convocar todos os seus corpos dirigentes, e através destes assembleias gerais dos membros para decidirem as medidas a tomar em caso de se verificar alguma interferência contra as eleições e o resultado eleitoral.

Muito especialmente, o Sindicato dos Trabalhadores do Correio de Detroit apelou aos seus membros no sentido de estarem preparados para resistir a um "golpe", proclamando num panfleto:

"Vamos votar.
Vamos recusar que sejam aceites resultados eleitorais até todos os votos estarem contados.
Vamos ocupar as ruas pacificamente se houver uma tentativa de golpe.
Se for preciso, vamos encerrar este país, para defender a integridade do processo democrático".

Outros sindicatos, como o de serviços (SEIU) ou o de comunicações (CWA), fazem parte de uma rede de ONGs e movimentos sociais, significativamente agrupados em torno da sigla Protect the Results, que se prepara para reagir a algum eventual golpe de Estado no dia das eleições.

La Botz lembra que houve nos EUA grandes movimentos grevistas nos anos 1930 e no período entre 1944 e 1949, mas geralmente por razões económicas e nunca por razões políticas. E lembra também que as greves gerais registadas na história do país nunca o foram a nível federal, mas no melhor dos casos ao nível de uma cidade, como Seattle em 1919 ou Oakland em 1946. E as greves políticas foram ainda mais raras e mais localizadas.

Mas, por outro lado, a conjuntura que agora se está a viver é também única na história norte-americana e poderia levar a medidas inéditas perante uma contestação sem precedente dos resultados eleitorais.
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