Entrevista a Anna Zamazeeva. Presidente do conselho regional de Mykolaiev denuncia crimes contra a humanidade

por António Mateus - RTP
"Há muitas torturas diferentes. E gente morta e pendurada em árvores", disse Anna Zamazeeva RTP

A presidente do conselho regional de Mykolaiev, cidade-tampão do avanço russo no sul da Ucrânia, acusa as forças invasoras de estarem a cometer crimes contra a humanidade nessa ofensiva, incluindo a morte de professoras que viajavam num autocarro da Cruz Vermelha para lecionar num orfanato. Destaque de uma entrevista exclusiva de Anna Zamazeeva aos enviados da RTP à Ucrânia António Mateus e Rodrigo Lobo.

“De início, quando as nossas comunidades territoriais e as nossas povoações foram ocupadas, havia maus-tratos, torturas de pessoas comuns que não tinham a ver com as Forças Armadas da Ucrânia ou a defesa territorial. Depois começaram atos como espetar parafusos nas palmas das mãos de civis. Há muitas torturas diferentes. E gente morta e pendurada em árvores (…) Muitos casos de violações de mulheres. Estamos a denunciá-los aos representantes europeus. Isso vai-nos ajudar a registar crimes contra a humanidade que estão a ser cometidos e todos os horrores desta guerra e do nosso presente”, sublinhou a doutora em economia, que era professora universitária até se envolver na política.A entrevista foi concedida em local não identificado por ser um dos pontos de alojamento temporário de deslocados em fuga de zonas ocupadas pelas forças russas.

Anna Zamazeeva sobreviveu por um acaso quando o edifício administrativo onde presidente ao conselho regional daquela cidade portuária do Mar Negro foi atingido por um míssil russo, provocando a morte de 37 funcionários e ferimentos em dezenas de outros. Depois de ter estado a trabalhar até de madrugada, chegou meia-hora atrasada ao serviço naquele dia, o que lhe salvou a vida, mas não as de muitos colegas e amigos.

“Quando aquilo aconteceu foi como se algo tivesse sido amputado e muita gente morreu ali. Era ali que trabalhávamos, criávamos ideias para desenvolver o nosso país, a nossa região”, recorda, com a voz a trair a emoção. “Uma coisa horrível. Mas não deixaremos sozinhos os que ficaram enlutados. Vamos ajudá-los em todos os problemas e agora as famílias dos que morreram são 100 por cento nossas. Somos uma grande família e vamos ajudas as suas crianças e os restantes membros”.
António Mateus, Rodrigo Lobo - RTP

Zamazeeva rejeita ainda qualquer fundamento - como mentiras para consumo interno da Rússia - nas alegações feitas por Vladimir Putin de pretender, com esta sua dita “operação militar especial”, desnazificar ou desmilitarizar o país vizinho, tal como ser proibido na Ucrânia falar em língua russa.

“Não é possível desnazificar-nos simplesmente porque não o somos. A minha mãe nasceu na Rússia, fala russo e [ao contrário do que afirma Putin] podemos falar russo em segurança tanto na cozinha como na rua. É por isso que nunca condenamos ou limitamos outros. Não podemos ser desmilitarizados [outro objectivo declarado por Putin] porque o nosso é um país alegre, emotivo e belo com gente pacífica. Não declarámos guerra nem tirámos nada a ninguém. Protegemos os nossos, protegemos os nossos lares, as nossas crianças. As nossas tropas protegem as nossas mulheres, os nossos pais. Não fizemos nada de errado a ninguém", assegurou Zamazeeva, que é um dos delegados ucranianos junto do Conselho da Europa.

“Mais importante”, sublinha aos enviados da RTP, “estamos a morrer em defesa dos valores europeus. Somos 100 por cento verdadeiros europeus. Pregamos os mesmos valores, temos raízes completamente livres com mentalidade europeia e acreditamos que é por isso que estamos a sofrer. Porque aquela nação [russa] não é capaz de o ser; são escravos, não conseguem pensar em liberdade. Por isso, todas as acusações foram apenas um pretexto para o que estão a fazer”.
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