Os produtores mundiais de combustíveis fósseis estão a caminho de quase quadruplicar a quantidade de petróleo e gás extraídos em novos projetos aprovados até ao final desta década, com os EUA a liderar uma vaga de atividade que ameaça destruir os objetivos climáticos acordados, segundo um relatório da Global Energy Monitor.
A Agência Internacional de Energia (AIE) revelou, em 2021, que não pode haver novas infraestruturas de petróleo e gás para que o planeta não ultrapasse os 1,5°C de aquecimento global, acima da era pré-industrial. A ultrapassagem deste limiar de aquecimento, acordado pelos governos no âmbito do Acordo de Paris sobre o clima, terá efeitos cada vez mais graves, como ondas de calor, inundações, secas e outros, alertaram os cientistas.
No ano passado, pelo menos 20 campos de petróleo e gás foram preparados e aprovados para extração após a descoberta. Até ao final da presente década, segundo o relatório, a indústria dos combustíveis fósseis pretende validar quase o quádruplo.
Os EUA, que produziram mais petróleo bruto do que qualquer outro país nos últimos seis anos consecutivos, lideraram os novos projetos de petróleo e gás em 2022 e 2023, segundo o relatório. A Guiana ficou em segundo lugar, com os países americanos a representarem 40 por cento de todos os novos projetos petrolíferos sancionados nos últimos dois anos.
O facto de não se conseguir abrandar, mesmo que ligeiramente, a procura de novo petróleo e gás pode constituir um golpe fatal para as já escassas esperanças de que o mundo se mantenha abaixo dos 1,5°C, um limite que os cientistas esperam que seja ultrapassado dentro de uma década.
Isto acontece numa altura em que as principais empresas petrolíferas e de gás não atenuam os seus próprios objetivos de redução das emissões de gases. Numa recente conferência do sector no Texas, o chefe da Saudi Aramco, a maior empresa petrolífera do mundo, afirmou que as pessoas deveriam "abandonar a fantasia" de eliminar gradualmente o petróleo e o gás.
A jazida de gás de Shahini, no Irão - alegadamente com 623 mil milhões de metros cúbicos de gás - é a maior descoberta dos últimos dois anos, seguida do projeto Venus da TotalEnergies na Namíbia. O projeto Kodiak, no Alasca, supervisionado pela Pantheon Resources, é o terceiro maior campo potencial de petróleo e gás.
"Apesar dos avisos constantes e claros de que nenhum novo campo de petróleo e gás é compatível com 1,5ºC, a indústria continua a descobrir e a aprovar novos projetos", afirmou Scott Zimmerman, gestor de projeto de extração de petróleo e gás da Global Energy Monitor. "É dececionante. Mostra uma falta de compromisso do lado da oferta com os objetivos climáticos".
As infraestruturas de petróleo e gás já em funcionamento serão suficientes para fazer com que o mundo ultrapasse os 1,5ºC e a atividade adicional planeada só irá aumentar ainda mais a temperatura global.
Segundo o documento da Global Energy Monitor, desde o relatório da AIE de 2021, foram sancionados 45 projetos, com 16 mil milhões de barris de petróleo equivalente, o que constitui quase de certeza uma subestimação das emissões futuras, uma vez que não inclui a extração "não convencional", como o fracking (método que possibilita a extração de combustíveis líquidos e gasosos do subsolo).
Apesar de os EUA terem mantido o seu estatuto de peso-pesado no petróleo e no gás com as novas descobertas, os produtores de combustíveis fósseis estão agora a concentrar-se em novas áreas do globo para nova produção, com a América do Sul e a África a tornarem-se pontos quentes para os próximos projetos.
Dos 22 países com descobertas significativas de petróleo e gás nos últimos dois anos, quatro - Chipre, Guiana, Namíbia e Zimbabué - foram responsáveis por mais de um terço das descobertas, apesar de terem produzido pouco ou nenhum petróleo e gás até há pouco tempo.
"Os produtores de petróleo e gás apresentaram todo o tipo de razões para continuarem a descobrir e a desenvolver novos campos, mas nenhuma delas é válida", acrescentou Zimmerman. "A ciência é clara: não há novos campos de petróleo e gás, ou o planeta será empurrado para além do que pode suportar."