Eslováquia. Absolvido empresário acusado de mandar assassinar o jornalista Jan Kuciak

por RTP
Marian Kocner, multimilionário e empresário eslovaco, acusado de mandar assassinar o jornalista Jan Kuciak e a noiva deste, em 2018, na sala de tribunal antes de ser absolvido por falta de provas, dia 03 de setembro de 2020 Reuters

O multimilionário e empresário Marian Kocner foi absolvido esta tarde da acusação de mandante do assassínio em 2018 de um jornalista de investigação, por falta de provas. Uma das suas alegadas cúmplices, Alena Zsuzsova, foi igualmente absolvida pelo Tribunal Criminal de Pezinok, na Eslováquia, ao passo que outro, Tomas Szabo, foi condenado a 25 anos de prisão.

O crime, ocorrido em 21 de fevereiro de 2018, chocou o país. Jan Kuciak e a noiva, Martina Kusnirova, ambos de 27 anos, foram assassinados em casa na cidade de Velka Maca, a leste de Bratislava, ele com um tiro no peito e ela na cabeça. Kuciak tinha publicado vários artigos a denunciar a corrupção em altos níveis do Estado e as relações de Marian Kocner com os responsáveis políticos do país.

"O crime foi cometido mas não ficou provado que Marian Kocner e Alena Zsuzsova tenham sido os responsáveis", declarou esta tarde a juíza Ruzena Sabova, que presidiu ao julgamento. "O Tribunal absolve por isso os acusados", acrescentou.

O procurador da República, Vladimir Turan, que liderou a acusação já disse que vai apelar da sentença para o Supremo Tribunal, o qual poderá confirmar a decisão ou ordenar novo julgamento.

A decisão deixou em lágrimas os familiares das vitimas e provocou críticas de vários líderes políticos.

"Só consigo dizer que estou enojado", reagiu Josef Kuciak, pai do jornalista executado ao estilo da Máfia e que disse ter ficado "paralisado" ao ouvir o veredicto. "Só podemos esperar que a Justiça acabe por prevalecer", acrescentou.

O seu advogado considerou a sentença "incorreta tendo em conta os fatos".

"Eles são culpados, estou convencida disso. Continuaremos a lutar", disse por seu lado a mãe da noiva de Kuciak, antes de abandonar a chorar a sala de audiências.
Choque e lamentos
A Presidente da Eslováquia, Zuzana Caputova, disse-se "chocada".

Já a vice-presidente da Comissão Europeia para os valores e a transparência, Vera Jourova, escreveu na sua conta da rede Twitter, "compreendemos que o procedimento judicial não é ainda definitivo".

O comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Dunja Mijatovic, considerou que o veredicto demonstrava que "há trabalho a fazer para garantir a Justiça e evitar a impunidade".

O Instituto de Imprensa de Viena classificou a absolvição como um "enorme retrocesso para a Justiça e para a luta contra a impunidade".

Kocner foi acusado de ter ordenado o assassínio, depois de inicialmente ter feito ameaças, para se vingar dos artigos em que o jornalista detalhava os vários delitos por si cometidos na área do imobiliário. Na sua última audição pelo tribunal afirmou-se inocente.

O empresário está a cumprir uma pena de 19 anos por falsificação de assinatura, a que foi condenado no início do ano, e continuará detido.

Juraj Marusiak, analista político baseado em Brastislava, comentou à Agência France Presse que a sentença desta quinta-feira "abalou a fé dos cidadãos eslovacos na democracia e na prevalência da Justiça".
Executantes condenados
Em 2017, Kuciak apresentou queixa por alegadas ameaças de Konec, recebidas depois da publicação de um artigo sobre os seus negócios. Ao todo, Kuciak publicou nove artigos sobre o empresário.

O jornalista afirmou depois que a polícia não fez nada. Quando foi assassinado estava a investigar indícios de corrupção governamental.Kocner terá de pagar uma coima de cinco mil euros, por detenção ilegal de armas. Buscas efetuadas no seu domicílio encontraram mais de 60 balas.

O caso teve inicialmente cinco suspeitos acusados de ordenar e de executar o crime. Dois destes foram já condenados e sentenciados.

O ex-soldado Miroslav Marcek deu-se como culpado de disparar sobre Kuciak e Kusnirova, e foi sentenciado a 23 anos de prisão, em abril. A Procuradoria eslovaca afirmou que Kocner pagou a Marcek, e ao primo deste, Tomas Szabo, hoje também condenado, para executar as vítimas.

Um outro suspeito, Zoltan Andrusko, acusado de intermediar o contacto entre o empresário e o assassino, foi condenado a 15 anos de cadeia em dezembro passado, após um acordo com os procuradores para redução de sentença.

Andrusko, amigo de Alena Zsuzsova, testemunhou que foi Kocner quem ordenou as mortes e que Alena seguia apenas as ordens do multimilionário.

Os assassínios provocaram as maiores manifestações na Eslováquia, em mais de trinta anos, desde a Revolução de Veludo de 1989 contra o comunismo soviético. O país tem 5,4 milhões de habitantes e é atualmente membro da União Europeia, da Zona euro e da NATO.

Os protestos provocaram uma crise política que levou à queda do Governo em março de 2018. A vaga de descontentamento levou o ano passado à presidência Zuzana Caputova e elegeu este ano um novo Governo de centro-direita liderado por Igor Matovic, do partido anti corrupção OLaNO.
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