Estados Unidos isolados após saída do acordo de Paris

Donald Trump anunciou na quinta-feira a saída dos norte-americanos do acordo histórico no combate às alterações climáticas, assinado em Paris no final de 2015. O Presidente norte-americano mostrou estar disposto a rever as condições negociadas pelos Estados Unidos durante a administração Obama, mas a condenação vigorosa e em uníssono por parte da comunidade internacional mostra que haverá pouca ou nenhuma margem para a elaboração de um novo documento.

Andreia Martins - RTP /
Joshua Roberts - Reuters

Fiel à mensagem que o levou até à Casa Branca e às promessas da campanha eleitoral, Donald Trump anunciou na quinta-feira a saída dos Estados Unidos do acordo de Paris e prometeu cumprir “o dever solene de proteger a América e os seus cidadãos”. 

“Vamos sair do acordo. Não queremos que outros líderes e outros países fiquem a rir de nós”, acrescentou.
 
O Presidente norte-americano considera que o acordo seria prejudicial para a economia e para o emprego nos Estados Unidos, mas disse estar disponível para renegociar um novo documento “justo” para com os Estados Unidos e os trabalhadores norte-americanos. “Se conseguirmos, fantástico. Se não conseguirmos, tudo bem”, reiterou.

Com esta decisão, os Estados Unidos juntam-se à Síria e à Nicarágua, os dois únicos países que até hoje tinham descartado a subscrição do acordo de combate às alterações climáticas. Do outro lado estão 194 nações que se comprometeram a conter o aquecimento global com a redução da emissão de gases com efeito de estufa. Entre elas, apenas 147 já ratificaram o acordo. 



A retirada do país não é imediata e só pode acontecer três anos após a entrada em vigor do acordo. Negociado no final de 2015, o documento só obteve efeitos legais em novembro de 2016, o que obriga os Estados Unidos a cumprir os ditames do acordo pelo menos até 2019. 
Resposta unida
Ainda antes de ser conhecida a decisão oficial, vários países condenavam a eventual saída dos Estados Unidos do acordo de Paris. A comunicação de ontem veio unir ainda mais a comunidade internacional perante a decisão de Washington, a começar pelos principais aliados como os países da Europa Ocidental ou o Japão.

As clivagens entre os principais líderes mundiais e o Presidente norte-americano, visíveis na recente cimeira da NATO e no encontro do G7, aprofundam-se. O “America First” converte-se num “America Isolated” anacrónico e que deixa espaço à liderança da China, escreve esta sexta-feira o jornal The New York Times.

Jean Claude-Juncker, presidente da Comissão Europeia, disse já esta sexta-feira, na abertura da cimeira União Europeia-China, que não há recuo possível na concretização do acordo. 


“Não há marcha atrás na transição energética, não há marcha atrás sobre o acordo de Paris", reiterou o representante europeu. 

Desta cimeira deverá sair uma declaração conjunta - inédita - entre Bruxelas e Pequim, no sentido de reafirmar o compromisso no combate ao aquecimento global. 

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, confessou sentir “uma enorme desilusão”. Já a agência da ONU responsável pelo Clima reiterou que os ditames do acordo não podem ser renegociados com base no pedido de uma nação.  


No mesmo tom, o Presidente francês Emmanuel Macron considerou que a decisão de Trump é “um erro para os Estados Unidos e para o nosso planeta” e mostrou que não está disponível para renegociar o acordo. 


Uma posição partilhada com Angela Merkel, que reafirmou com Macron o “compromisso comum” para o sucesso do Acordo de Paris.

Numa curta declaração, esta manhã, no Bundestag, Merkel pediu que o esforço dos restantes países que permanecem no acordo não esmoreça.

“Na Alemanha, na Europa e no Mundo, estamos mais empenhados que nunca em reunir forças. Para todos aqueles que consideram que o futuro do nosso planeta é importante, peço-vos que continuem este caminho pela nossa Terra”, acrescentou a chanceler alemã. 

A Itália também se juntou ao eixo franco-alemão nas críticas à decisão norte-americana. 

No Japão, o ministro dos Negócios Estrangeiros refere em comunicado que a decisão é “lamentável”, uma vez que a liderança dos países desenvolvidos nas questões do clima é “de grande importância”. 


O secretário-geral de Gabinete Yoshihide Suga garantiu em conferência de imprensa que o Japão não vai desistir de chamar os Estados Unidos à razão. Koichi Yamamoto, ministro do Ambiente, considera que a decisão “é um virar de costas à sabedoria da humanidade”.  “Estou desapontado, estou zangado”, confessou o ministro.

Malcolm Turnbull, primeiro-ministro da Austrália, diz estar “desiludido”, mas que a decisão não surpreende uma vez que a posição de Trump face às alterações climáticas já era muito bem conhecida.

Uma das maiores duvidas neste momento é saber qual será a posição de vários países poluentes, que podem ver na saída dos Estados Unidos um subterfúgio para abandonar o acordo. Para já, um porta-voz do Governo chinês garante que Pequim mantém o "compromisso" com o documento no combate às alterações climáticas. 

Em Nova Deli, um conselheiro de Narendra Modi reiterou as promessas do acordo e garante que o Governo indiano continua a aposta nas energias renováveis. 

Já o Kremlin fez saber através da agência RIA que não pretende retirar-se do acordo de Paris, mas que a saída dos Estados Unidos retira força ao documento. A Rússia é um dos países que assinou mas ainda não ratificou o acordo.
 
Justin Trudeau, primeiro-ministro canadiano, admite que a decisão de Trump é “desanimadora”, mas que poderá deixar os restantes países ainda mais unidos no combate às alterações climáticas.

“Continuamos inspirados com este ímpeto crescente para enfrentar o aquecimento global e na transição para economias limpas”, reiterou o líder canadiano. 

Portugal não deixou de se juntar ao coro de críticas aos Estados Unidos, com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa a afirmar que o afastamento de um país só deve fomentar a união dos restantes países. Considerou ainda que a decisão de Donald Trump “é como tentar tapar o sol com um dedo”.


De igual forma, o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes diz que a saída dos Estados Unidos é “muito negativa” e que é uma autêntica tentativa de regresso a uma economia hiperarbónica”. O primeiro-ministro António Costa não foi menos crítico.


Oposição interna
Barack Obama, o anterior Presidente dos Estados Unidos, decisivo no sucesso das negociações em Paris, em novembro de 2015, foi o primeiro a criticar Trump, ao afirmar que se trata de uma “rejeição do futuro”.

No entanto, o ex-Presidente convida os norte-americanos a continuarem o caminho trilhado pelo Acordo de Paris.
 
“Mesmo com a ausência de uma liderança norte-americana, mesmo que esta administração se junte ao pequeno grupo de nações que rejeitam o futuro, estou confiante que os nossos estados, cidades e empresas vão destacar-se ainda mais e ajudar a proteger o planeta”, reiterou. 

Bill Clinton, que ocupou a Casa Branca entre 1993 e 2001, lembra que as alterações climáticas são reais. "Devemos mais às nossas crianças. Proteger o nosso futuro também cria mais empregos", disse através do Twitter.


A antiga secretária de Estado e candidata presidencial que disputou as eleições presidenciais de 2016 contra Donald Trump, diz que a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris "deixa para trás as famílias e trabalhadores norte-americanos".


O antigo secretário de Estado norte-americano também criticou a decisão, em uníssono como o Presidente com quem trabalhou. John Kerry considera que esta é “uma renúncia de liderança sem precedentes” e que os Estados Unidos “vão pagar” a fatura desta decisão na perda de influência a nível mundial. 


Chuck Schumer, líder do Partido Democrático no Senado norte-americano considera que a decisão de Donald Trump “é uma das piores resoluções políticas do século XXI, com grandes danos para a nossa economia, para o ambiente e para a nossa posição geopolítica”. 

Ao nível empresarial, vários líderes condenaram a decisão do Presidente norte-americano. Os diretores-executivos da Tesla e da Walt Disney anunciaram mesmo que vão abandonar o conselho consultivo de Trump na sequência desta deliberação. 

Tim Cook, CEO da Apple, expressa o seu desagrado num e-mail enviado aos trabalhadores da empresa, onde admite que tentou convencer Donald Trump a permanecer no acordo, mas que esse esforço “não foi suficiente”. Jeff Immelt, chefe-executivo da General Electric, sublinha que o aquecimento global é um problema real e que a indústria “não pode depender do Governo” para seguir com políticas amigas do ambiente. 

A Google, Amazon, Twitter, Microsoft e IBM juntam-se ao grupo de empresas que considera "urgente" o combate ao aquecimento global. Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, considera mesmo que a decisão coloca "o futuro das nossas crianças em risco".



E se Donald Trump afirmava ontem que tinha sido eleito para “defender os interesses dos cidadãos de Pittsburgh, não de Paris”, o democrata Bill Peduto, mayor da cidade em Filadélfia, garantia que vai continuar a seguir as medidas do acordo de Paris. O mesmo fizeram os responsáveis de outros grandes centros urbanos norte-americanos, incluindo o mayor de Nova Iorque

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