Etiópia em risco de "entrar numa guerra civil cada vez maior", alerta ONU

Perante a intensificação do conflito nos últimos dias, a subsecretária-geral da ONU para os Assuntos Políticos, Rosemary DiCarlo, alertou para os riscos de a Etiópia entrar numa espiral de guerra civil e para as consequências devastadoras com o agravamento da violência e das crises que afetam a região do Corno de África. Apesar da "muita especulação" sobre a crise etíope, "ninguém consegue prever o que a luta contínua e a insegurança trarão", advertiu ainda a responsável das Nações Unidas.

Inês Moreira Santos - RTP /
EPA

"O conflito de um ano na região de Tigray, na Etiópia, atingiu proporções desastrosas. A luta coloca o futuro do país e do seu povo, assim como a estabilidade de toda a região do Corno da África, numa grave incerteza", começou por escrever num documento dirigido ao Conselho de Segurança da Etiópia.

Na semana passada, recordou Rosemary DiCarlo, o gabinete para os Direitos Humanos da ONU relatou graves violações de todas as partes envolvidas no conflito, que podem representar crimes contra a humanidade e crimes de guerra.

"Nos últimos dias, as forças do Tigray avançaram para sul em direção a Addis Abeba, agindo em coordenação com o Exército de Libertação Oromo", continuou, acrescentando que, por essa razão, o Governo da Etiópia declarou estado de emergência em todo o país e admitiu que está a enfrentar "uma guerra existencial".

Referindo-se à crescente especulação sobre como a crise se pode desenrolar nas próximas semanas, a responsável da ONU observou que num país de mais de 110 milhões de pessoas, mais de 90 grupos étnicos diferentes e 80 línguas, ninguém tem como prever o que os contínuos combates e insegurança podem trazer.

"O que é certo é que o risco de a Etiópia entrar numa guerra civil cada vez maior é bastante real. Isso pode levar a uma catástrofe humanitária e consumir o futuro de um país tão importante", redigiu.

Além disso, as repercussões políticas da "intensificação da violência em toda a região seriam imensas, agravando as muitas crises que assolam o Corno da África".
Ajuda humanitária

Há mais de sete milhões de pessoas que precisam de ajuda humanitária no norte da Etiópia, contabilizando-se cerca de 400 mil pessoas em Tigray a vive em condições semelhantes à fome. Mas os esforços para mobilizar essa ajuda em Tigray “continuam a ser prejudicados pela incapacidade de enviar dinheiro, combustível e mantimentos para a região”.

“Nenhum camião de ajuda chegou a Mekelle desde 18 de outubro, devido aos contínuos ataques aéreos”, afirmou Rosemary DiCarlo, acrescentando que desde os ataques a 22 de outubro na capital regional de Tigray, os voos do Serviço Aéreo Humanitário da ONU permaneceram suspensos e que os embarques de combustível estão bloqueados desde agosto.

Embora alguns mantimentos e bens essenciais de emergência tenham sido transferidos, já se passaram quatro meses desde o último grande carregamento de medicamentos e materiais médicos a Tigray.

“A falta de acesso significa que as organizações humanitárias tiveram que reduzir as atividades essenciais que salvam vidas, incluindo o transporte de água, a distribuição de alimentos, as clínicas móveis e apoio a crianças e mães com desnutrição aguda”, esclareceu.

Apontando os dados do relatório da investigação conjunta do ACNUDH e da Comissão de Direitos Humanos da Etiópia sobre o conflito em Tigray, divulgados na semana passada, a subsecretária-geral da ONU indicou que “há motivos razoáveis para acreditar que todas as partes no conflito - incluindo a Força de Defesa Nacional da Etiópia, a Força de Defesa da Eritreia, as Forças Especiais de Amhara e as forças aliadas de um lado e as forças de Tigray do outro - cometeram violações dos direitos humanos internacionais , direito humanitário e de refugiados, incluindo ataques a civis e infraestrutura civil, ataques indiscriminados resultando em vítimas civis e assassinatos extrajudiciais, tortura, detenções arbitrárias, violência sexual e baseada no género e deslocamento forçado”.

O relatório afirma que “crimes de guerra e crimes contra a humanidade podem ter sido cometidos”, além de descrever “as medidas que devem ser tomadas para garantir a responsabilização por esses atos”.
ONU apela a "cessação imediata das hostilidades"
Citando o Secretário-Geral da ONU, o Presidente da Comissão da União Africana Faki, o Secretário Executivo da IGAD Workneh, o Presidente do Quénia, Ururu Kenyatta, e o Conselho de Segurança da ONU, Rosemary DiCarlo declarou que “deve haver uma cessação imediata das hostilidades”.

Os vários responsáveis, assim como a comunidade internacional, apelaram também “à negociação de um cessar-fogo duradouro e à criação de condições para um diálogo inclusivo na Etiópia para resolver a crise e criar as bases para a paz e estabilidade em todo o país”.

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, tem estado em contacto frequente com o primeiro-ministro etíope, e apelado “à contenção e ao diálogo, disponibilizando os seus bons ofícios”.  O Secretário-Geral ofereceu também “ao presidente Obasanjo o total apoio das Nações Unidas aos seus esforços para resolver o conflito”.

“Os colegas da ONU no terreno continuam a exortar todas as partes neste conflito a mostrarem moderação e a permitirem o acesso irrestrito às populações vulneráveis”.

Já em tom de conclusão, a subsecretária-geral da ONU deixou claro que as Nações Unidas estão “firmemente comprometidas em permanecer e realizar ações na Etiópia em apoio a todo o povo do país”.

“A Etiópia, membro fundador das Nações Unidas, precisa do nosso apoio. Exortamos os etíopes a unirem-se para construir um futuro próspero e compartilhado antes que seja tarde demais”, concluiu.
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