EUA a duas velocidades. Vinte e três Estados tinham leis anti-aborto preparadas

por RTP
Jonathan Ernst, Reuters

Quatro Estados norte-americanos já reagiram à revogação da sentença Roe v. Wade, proibindo a interrupção voluntária da gravidez. Outros 19 tinham leis preparadas e esperavam apenas a decisão do Supremo Tribunal de Justiça.

Quatro estados norte-americanos já proibiram na sexta-feira o aborto na maioria dos casos, no mesmo dia em que a supermaioria conservadora no Supremo Tribunal norte-americano reverteu o direito constitucional ao aborto.
Os quatro Estados que já accionaram o "gatilho"
Em Alabama (sudeste), um juiz federal aceitou um pedido do Governo para levantar uma providência cautelar que suspendia uma lei, aprovada em 2019, que criminaliza o aborto em qualquer circunstância, exceto casos de sério risco para a vida ou saúde da mãe.

Em Arkansas (sul), as autoridades de saúde avisaram as duas clínicas que efetuam abortos no Estado, de que o aborto, com exceção de casos de sério risco para a vida da mãe, passa a ser punível com penas de até 10 anos de prisão.

Em Ohio (nordeste), tornou-se legal a proibição da maioria dos abortos após ser detetável o primeiro batimento cardíaco do feto.

A lei já tinha sido aprovada em 2019, mas estava suspensa desde então sob uma providência cautelar de um tribunal federal.

Na sexta-feira o procurador-geral de Ohio, Dave Yost, pediu o levantamento da providência cautelar, devido à decisão do Supremo Tribunal, pedido que foi aceite por um juiz federal.

Os críticos da lei em Ohio tinham argumentado que a medida basicamente proíbe todo e qualquer aborto, porque o primeiro batimento cardíaco do feto pode ocorrer já na sexta semana de gravidez, uma altura em que a maioria das mulheres não sabe ainda que está grávida.

No Estado de Utah (oeste), entrou em vigor uma lei, aprovada em 2020, que proíbe o aborto, com exceções para casos de violação ou incesto se os crimes foram denunciados às autoridades, de sério risco para a vida ou saúde da mãe ou de defeitos congénitos letais confirmados.

O senador estadual Dan McKay, o republicano que propôs a lei, disse que seria errado as mulheres de Utah procurarem fazer abortos em Estados vizinhos, mas admitiu não ter planos imediatos para o impedir.

Nos Estados vizinhos de Arizona e Texas, as clínicas que efetuam abortos suspenderam as operações, por receio de enfrentarem processos criminais.
Um país a duas velocidades
Pelo menos 13 Estados já tinham codificados "gatilhos" legislativos que poderiam tornar o aborto ilegal nos 30 dias a partir de uma decisão favorável do Supremo. Eram eles o Texas, Utah, Oklahoma, Idaho, Wyoming, Dakota do Norte, Dakota do Sul, Missouri, Arkansas, Luisiana, Mississípi, Tennessee e Kentucky.

Líderes democratas de todo o país prometeram na sexta-feira ajudar as mulheres que viajam para fazerem abortos e protegerem os médicos contra eventual perseguição pelas autoridades nos Estados Unidos, em Estados onde o procedimento se torne ilegal.

"Em breve, os Estados irão distribuir-se entre duas categorias: aqueles como a Califórnia, onde há um direito desimpedido ao aborto, e aqueles como o Texas e o Kentucky, que vão acabar com todos os serviços de aborto", disse à agência Lusa o cientista político Thomas Holyoke, na sexta-feira.

O Supremo Tribunal dos Estados Unidos anulou na sexta-feira a proteção do direito ao aborto em vigor no país desde 1973, permitindo que cada Estado decida se mantém ou proíbe a interrupção voluntária da gravidez.

Os juízes do Supremo, com uma maioria conservadora, decidiram anular a decisão do processo "Roe vs. Wade", que protegia como constitucional o direito das mulheres ao aborto, invocando a 14ª Emenda da Constituição, que os levara a concluir sobre o direito de interromper voluntariamente uma gravidez nas 23 semanas em que o feto não é viável fora do útero.
Mais Estados que se prepararam com leis anti-aborto
Para além de Alabama, Arkansas, Ohio e Utah, mais nove Estados norte-americanos começaram a preparar leis que imediatamente disparariam a proibição assim que o Supremo Tribunal de Justiça, previsivelmente tendo em conta a sua ampla maioria conservadora, decidisse contra uma petição para revogar a proibição do aborto a partir das 15 semanas no Mississipi.

A decisão agendada sobre o Mississipi desde cedo foi vista como uma oportunidade para revogar a sentença de Roe v. Wade.

Alguns Estados, como a Califórnia ou o Colorado, prepararam-se para a previsível decisão dos juízes de direita do Supremo, codificando com detalhe mais amplas condições de acesso aos serviços de interrupção voluntária da gravidez.

Outros, pelo contrário, prepararam-se para essa previsível decisão com as chamadas "leis-gatilho". Além dos quatro, em que a proibição já foi "disparada", há outros nove com legislação semelhante já preparada para este dia e outros dez com outra legislação restritiva do aborto.

A diferente rapidez com que o "gatilho" está a ser accionado tem que ver com o facto de algumas dessas leis requererem que uma autoridade estadual, por exemplo um procurador-geral, certifique a anulação de Roe v. Wade pelo Supremo.

Segundo um levantamento levado a cabo pelo Instituto Guttmacher e citado pela CNN, há um total de 23 Estados com leis anti-aborto conflituantes com o princípio de Roe v. Wade, ou seja, quase metade do total de Estados da União. Os Estados de Michigan, Wisconsin e Virgínia Ocidental mantinham em vigor legislação anterior a Roe v. Wade, e sempre tinham ignorado essa sentença, apesar da sua validade a nível federal. 

Outros, como o Alabama, a Georgia, o Iowa, o Ohio e a Carolina do Sul, tinham aprovado leis anti-aborto, que no entanto foram invalidadas pelos tribunais. 

O Arkansas tem tido, no congelador, à espera da revogação de Roe v. Wade, uma lei que virtualmente proibiria todas as interrupções voluntárias de gravidez, incluindo em casos de violação ou de mal-formação do feto, exceptuando apenas os casos de emergência médica potencialmente fatal. As penas previstas nessa lei para um médico que leve a cabo um aborto vão até dez anos de prisão e multa de 100 mil dólares, ou ambos cumulativamente.

O Idaho, que imitou as disposições legais do Texas, também prevê penas pesadas para quase todos os abortos, a partir de seis semanas de gravidez, exceptuando os casos de violação, incesto ou o risco de vida para a mulher grávida.

O Kentucky e a Louisiana têm leis que penalizam a interrupção de gravidez excepto em casos de risco de vida para a mãe. Mas na Louisiana o médico que leva a cabo essa interrupção terá ainda assim de provar que empreendeu todos os "esforços médicos razoáveis" para salvar ambas as vidas - da mãe e do feto -, o que é visto como um alçapão jurídico para poder penalizar praticamente todos os casos em que a gravidez seja interrompida.

O Estado de Utah prepararou legislação para o cenário da revogação de Roe v. Wade proibindo o aborto excepto em casos de perigo de vida para a mãe, mal-formação do feto violação ou incesto. O Estado de Utah encontra-se em situação semelhante, com a diferença de penalizar o aborto em casos de mal-formação do feto.

Os Estados de Missouri, Dakota do Norte, Dakota do Sul, Oklahoma, Tennessee e Texas foram aprovando ao longo dos anos leis que preveem o regresso à penalização do aborto em todos os casos excepto no de emergência médica com efeitos potencialmente fatais.

(c/ Lusa)
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