EUA e Irão. Mohamed ElBaradei pede retorno ao "pensamento racional"

por António Mateus - RTP
"Façam até o mesmo que os americanos fizeram no caso da Coreia do Norte, onde em vez de se insultarem mutuamente acabaram por se apaixonar e agora dialogam entre si" Caren Firouz - Reuters

O rasgar por Donald Trump do tratado internacional de Não Proliferação de Armas Nucleares assinado com o Irão foi um erro grave e de consequências imprevisíveis. Destaque de uma entrevista exclusiva concedida pelo diretor-geral emérito da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), Mohamed ElBaradei, ao programa de Relações Internacionais da RTP3 Olhar o Mundo.

"Esta via só conduzirá à morte e destruição, afirmou o Prémio Nobel da Paz de 2005, antes de deixar um apelo: "Regressemos ao pensamento racional".Mohamed ElBaradei foi entrevistado à margem da reunião anual do Conselho Europeu de Relações Externas (ECFR.EU), realizado este ano na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. A entrevista pode ser vista este sábado, às 14h20, na RTP3.

"Façam até o mesmo que os americanos fizeram no caso da Coreia do Norte, onde em vez de se insultarem mutuamente acabaram por se apaixonar e agora dialogam entre si".

ElBaradei referia-se ao chamado Plano Conjunto de Ação (ou Joint Comprehensive Plan of Action - JCPOA, em inglês), firmado a 14 de julho de 2015 em Viena pelo Irão e pelos países com assento no Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha, abandonado unilateralmente pelos EUA a 8 de maio, sob a argumentação de ser um "acordo fraco".

Questionado sobre uma eventual sustentação para Donald Trump fazer o juízo de que o tratado firmado com o Irão é fraco, ElBaradei respondeu: "De todo [não].

"E não é apenas a minha opinião. É a do mundo inteiro, de peritos nos EUA, na Rússia, na China, na Alemanha, na França, no Reino Unido. Não, não vejo um único motivo. O acordo é o sistema de verificação mais intrusivo, cerrado e o Departamento de Energia Atómica diz que o Irão o tem implementado integralmente nos últimos quatro anos", acentuou.

O antigo vice-presidente egípcio rejeita depois igualmente a argumentação, avançada pela Casa Branca, de que o referido acordo se confina à área nuclear e não abrange outros dossiers contenciosos.

António Mateus, com imagem de Emanuel Prezado e Guilherme Colaço - RTP

"O acordo só trata da área nuclear? Muito bem; não trata de áreas como os mísseis? Não trata da alegada atividade do Irão? Isso é diferente. Podem melhorar o acordo, mas atacá-lo e rejeitá-lo porque não gostam de outras atividades do Irão... é uma forma [de atuar] que obviamente não subscrevo".

Uma convição em que recua à sua experiência como líder da AIEA na verificação da existência ou não de armas de destruição maciça no Iraque em 2003, antes da intervenção militar norte-americana naquele país, contra todas as suas recomendações na altura.

"No Iraque não vimos nada que justificasse uma guerra ou constituísse um perigo naquela altura. O Iraque estava basicamente limpo e, no entanto, os americanos partiram para a guerra com o desastre que todos vimos. O Médio Oriente foi totalmente desintegrado em parte como resultado da guerra no Iraque. Agora dizemos o mesmo; um aumento de tensões, ameaças exageradas com o Irão. Eu não vejo isso. O Irão de certeza que não tem armas nucleares, não tem capacidade de as produzir".

"Como disse, pelo menos enquanto fizerem parte do acordo internacional durante os próximos dez anos", sublinhou. "Vamos usar esses dez anos para construir confiança, para cooperação ou vamos continuar a fabricar factos e entrar em guerra?".

Questionado sobre o papel que a Europa deve ou pode assumir neste dossier, ElBaradei é frontal nessa análise: "Para mim a questão iraniana, tal como a questão palestiniana, de que a Administração Trump também está a afastar-se completamente, dos parâmetros acordados nos últimos 50 anos, são dois casos-teste para a Europa".

"Ou a Europa vai-se bater pelos seus valores e princípios, a lei internacional, ou vai tornar-se lentamente irrelevante. Espero que não, porque a Europa é demasiado importante para ir para uma diáspora", vincou.
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