EUA e Rússia enfrentam-se na ONU devido a ataque na Síria

O Conselho de Segurança da ONU reuniu de urgência para analisar o alegado ataque químico por parte do Governo sírio contra uma área rebelde em Idlib. E, enquanto a Rússia voltou a defender o presidente Bashar al-Assad, os EUA admitiram ações unilaterais por parte de um Estado, em caso de inoperância da ONU.

Graça Andrade Ramos - RTP /
O vice-embaixador russo na ONU, Vladimir Safronkov, esta tarde na reunião do Conselho de segurança da ONU sobre a Síria. Shannon Stapleton - Reuters

O bombardeamento ocorreu há dois dias, de madrugada, contra a vila de Khan Cheikoun, no noroeste da Síria e fez pelo menos 72 mortos, incluindo 20 crianças, de acordo com estimativas do Observatório Sírio dos Direitos Humanos.  

A maioria das vítimas apresenta sintomas de envenenamento por gases neurotóxicos.  

A comunidade ocidental, indignada, aponta o dedo a Bashar al-Assad. O exército sírio negou contudo ontem ter usado produtos químicos no ataque de segunda-feira, acrescentando que nunca os utilizou.

Já a Rússia afirma que o bombardeamento sírio atingiu um armazém de armas químicas dos próprios rebeldes. Estes negam.
Rússia ataca para defender Assad
Esta tarde, na reunião do Conselho de Segurança, a Rússia referiu que a denúncia do uso de químicos serve os interesses dos rebeldes e ajuda a provocar este tipo de situações.  

A esse propósito, o vice-embaixador russo na ONU, Vladimir Safronkov, lembrou ao Conselho de Segurança que o ex-Presidente Barack Obama ameaçou lançar um ataque contra o Governo sírio se a "linha vermelha" do uso de armas químicas fosse ultrapassada.

"Essa decisão serviu de ponto de partida para futuras provocações das estruturas terroristas e extremistas, com o uso de armas químicas, para tentar desacreditar o regime oficial de Damasco e criar um pretexto para o uso de força militar contra um Estado soberano", explicou.

A Rússia considerou já "inaceitável" o projeto de resolução apresentado pelos Estados Unidos, França e Reino Unido, a condenar o ataque. Safronkov disse que o documento foi elaborado "à pressa" e não era útil, mas admitiu um eventual "inquérito objetivo".  
Aviso dos EUA
Já a embaixadora norte-americana nas Nações Unidas, Nikky Haley, afirmou perante os 15 membros do Conselho de Segurança que "Assad, a Russia e o Irão não estão interessados na paz".

"Legitimam o Governo sírio, liderado por um homem sem consciência que tem cometido inúmeras atrocidades contra o seu povo", acrescentou. E deixou um aviso.

"Quando as Nações Unidas falham de forma consistente no seu dever de agir coletivamente, há alturas na vida dos Estados em que somos compelidos a agir por nós próprios", disse sem mencionar a que tipo de ação ou a que Estado se referia.

Palavras que abrem aparentemente a porta a uma ação unilateral dos EUA na Síria, à revelia da ONU.

Haley atacou depois a Rússia por não ter sabido "temperar" as ações do seu aliado sírio. "Quantas crianças terão ainda de morrer antes que a Rússia se preocupe?" perguntou.

"Se a Rússia tem a influência que ela pretende ter na Síria, é preciso que faça uso dela", afirmou, brandindo duas fotos que afirmou ser de duas vítimas do ataque químico.

"Olhe para estas fotos", pediu Haley, solicitando a Moscovo que "ponha fim a estes atos atrazes".
Trump admite mudar quanto à Síria  
O presidente Donald Trump classificou o ataque como "horrível, inenarrável" e "uma terrível afronta à humanidade".

Os "atos odiosos" do Presidente Assad "não podem ser tolerados", afirmou, referindo que o ataque químico na Síria já "ultrapassou várias linhas", numa referência à linha vermelha de Obama.

Na Casa Branca, ao lado do Rei Abdullah da Jordânia, Trump admitiu que poderá reformular a sua política em relação à Síria. "Irão ver", respondeu aos jornalistas, admitindo que a sua "atitude face a Assad mudou". 

A Administração Obama sempre preferiu a ação diplomática para resolver o conflito sírio, escolha criticada por Trump, que acusou o seu antecessor de estabelecer "linhas vermelhas" mas nada fazer, sobretudo para combater o grupo extremista Estado Islâmico.

A nova Administração ainda não apresentou contudo nenhuma estratégia para a Síria. As palavras de Nikky Haley deixam antever uma resposta mais musculada do que a de Obama.

Trump prometeu esta tarde "destruir o Estado Islâmico" e "proteger a civilização".

Washington acredita que as vítimas do início da semana na Síria foram atingidas por gás sarin largado pelos aviões das forças aéreas sírias e considera pouco credíveis as alegações russas.

Esta quarta-feira, a ONG Médicos Sem Fronteiras afirmou que tratou oito pacientes com sintomas de envenenamento com gás sarin, mas que outras vítimas teriam sido atingidas com gás de cloro.

A França pediu "sanções" contra Assad e um inquérito ao sucedido.
Testemunha contra Assad
Hussam Salloum, voluntário de um grupo de alerta de ataques aéreos em áreas rebeldes, disse à Agência Reuters que assistiu ao bombardeamento de uma colina próxima.  

Terá visto um aparelho Sukhoy-22 da Força Aérea síria aproximar-se de madrugada a baixa altitude e a largar quatro bombas, três das quais deixaram um rasto de fumo negro.  

A quarta bomba, contudo, deixou uma nuvem branca junto ao solo. "O fumo era branco e espesso" afirmou Salloum à Reuters a partir de Khan Sheikoun. "O fumo começou a espalhar-se pela cidade até a cobrir".  

Salloum enviou um vídeo do ataque, captado a partir do seu posto de observação numa colina próxima, a cerca de 1,5 quilómetros.  

"O piloto largou as bombas todas de uma vez", afirmou. Através de walkie-talkies avisou a rede de voluntários que socorrem as vítimas dos bombardeamentos.

"Percebemos que era um gás tóxico porque um trabalhador da defesa civil que chegou ao local rapidamente", contou Salloum à Reuters, "nos disse que havia um cheiro estranho. Menos de um minuto depois disse-nos que estava a sentir-se tonto e a desmaiar. Perdemos o contacto com ele."
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