EUA. Estudo deteta níveis alarmantes de "químicos eternos" tóxicos no leite materno

por Graça Andrade Ramos - RTP
Substâncias químicas tóxicas conhecidas como SPAS foram detetadas em 50 amostras de leite materno nos EUA em níveis 2000 superiores ao recomendado para a água potável DR

A presença de PFAS, substâncias químicas de elevada toxicidade, foi detetada em 50 amostras de leite materno humano a níveis 2.000 vezes superiores ao recomendado para a água potável nos Estados Unidos da América.

Os níveis de PFAS encontrados no leite analisado pela investigação, cujas conclusões foram publicadas esta quinta-feira na revista Environmental Science and Technology, oscilaram desde as 50 partes por bilião (ppb) até mais de 1.850 ppb.

Apesar de escassez de amostras avaliadas, o nível de contaminação foi transversal a grupos económicos e geográficos.

A consistência dos resultados “demonstra que a contaminação do leite materno com PFAS é provavelmente universal nos EUA”, avançou Erika Schreder, coautora do estudo e diretora de uma ONG de Seattle, que pressiona a indústria a encontrar alternativas ao uso de químicos.

Para a pediatra Sheela Sathyanarayana, outra das autoras do estudo, estas substâncias tornaram-se “tão omnipresentes que não conseguimos prever quem ficará mais exposto”.A sigla PFAS abrevia a designação das substâncias perfluoroalquil e polifluoroalquil, criadas através da junção de carbono e de flúor, uma das mais fortes ligações conseguidas pela química orgânica. Começaram a ser usadas pela indústria na década de 1940 e espalharam-se por toda a parte. Atualmente formam uma classe com mais de 9.000 produtos.


As PFAS estão ligadas ao aparecimento de cancros, a doenças de fígado e da tiróide, a defeitos de nascença, a baixos níveis de espermatozóides e a uma série de outros problemas graves de saúde.

A indústria usa-as para tornar uma série de objetos mais resistentes à humidade, ao calor e às manchas, e há PFAS em roupas e noutros artigos de uso quotidiano, como frigideiras antiaderentes, ou em embalagens de fast food, para nomear apenas alguns produtos.

Entre as PFAS mais usadas estão o PFOS e o PFOA (ácido perfluorooctanossulfónico e ácido perfluorooctanóico), que não se decompõem naturalmente sendo por isso chamados químicos eternos.

Uma das maiores preocupações ambientais prende-se precisamente com o caráter perene destas substâncias químicas e os seus efeitos no corpo humano, no qual se acumulam devido ao contacto e à ingestão. Já foram encontradas PFAS no sangue humano.
Novas ou velhas PFAS - todas perigosas
A contaminação ambiental por PFAS e a sua acumulação crescente nos corpos humanos têm sido denunciadas na última década nos Estados Unidos e este estudo ao leite materno, o primeiro desde 2005 nos Estados Unidos, vem atirar mais lenha para a fogueira.

As investigadoras cruzaram os seus resultados com os de estudos ao leite materno anteriores e de outras partes do mundo, concluindo que a deteção destas substâncias está a aumentar globalmente e que PFAS descartadas industrialmente há vários anos, devido à sua toxicidade, não só não desapareceram como algumas delas se mantinham em níveis elevados.

Em cerca de metade das amostras foram encontradas ainda 12 tipos de novas gerações de PFAS que, de acordo com a indústria química, não se iriam acumular nos seres humanos. Em todas foram detetadas 16 destas substâncias tóxicas alegadamente menos nocivas e atualmente em uso.

O estudo dá mais provas de que as PFAS que as empresas estão a usar atualmente e a aplicar nos seus produtos se estão a comportar como as que descartaram e estão a passar para o leite materno e a expor crianças numa fase muito vulnerável de desenvolvimento”, referiu Schreder.Os resultados da investigação são considerados “preocupantes” e as suas conclusões apontam uma ameaça potencialmente grave para a saúde dos recém-nascidos.


Citada pelo jornal britânico The Guardian, Sathyanarayana reconheceu a atual escassez de estudos sobre o impacto dos PFAS na saúde dos bebés.

Outras análises têm contudo estabelecido correlação entre estes químicos e casos de perturbações hormonais e enfraquecimento do sistema imunitário, tanto em crianças mais velhas como em adultos, refere.

Uma vez que o leite materno é a maior fonte de fortalecimento do sistema imunitário dos recém-nascidos, a elevada contaminação com PFAS devia ser seriamente investigada, sustenta a pediatra da Universidade de Washington.
Água de dezenas de cidades contaminada
Um dos grandes problemas nos Estados Unidos é a falta de legislação que obrigue por exemplo as indústrias a conter a contaminação de lençóis freáticos ou de sistemas de abastecimento de água.

Em janeiro de 2020 estas substâncias foram detetadas na água de dezenas de cidades nos Estados Unidos. O estudo da ONG Environmental Working Group, EWG, indicou então a permanência de PFAS nas canalizações a níveis muito acima do que é considerado seguro. O EWG apontou a presença de 1 ppb de PFAS na água potável como máximo admissível. A Agência Federal dos EUA para o Registo de Substâncias Tóxicas e de Doenças recomenda níveis de 14 ppb na água dada às crianças.

Não existem quaisquer limites para os níveis de PFAS no leite materno.

A recomendação das autoras do estudo às mães é para evitarem usar roupa impermeabilizada com PFAS e utensílios de cozinha com Teflon ou propriedades antiaderentes semelhantes, assim como embalagens de comida antigordura.

A omnipresença das PFAS faz com que sejam contudo quase impossíveis de evitar e Schreder quer ver toda a classe banida do uso industrial generalizado, incluindo as substâncias que as empresas químicas afirmam ser menos nocivas para os seres humanos.
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