Eutanásia. O caso belga

Na Bélgica, a eutanásia é legalmente permitida e faz parte de um sistema integrado de cuidados de fim de vida. Em situação de doença terminal, devidamente comprovada, o doente pode optar entre cuidados paliativos, morte assistida ou eutanásia. Não há limite de idade para que uma pessoa possa pedir a eutanásia, ao contrário da Holanda, onde se exige 12 anos, no mínimo. Desde que o processo é permitido em qualquer idade, três menores já receberam a eutanásia neste país.

Em 2002 a lei belga descriminalizou a eutanásia em todas as suas modalidades, não fazendo distinção entre abreviar a vida através de uma terceira pessoa, o suicídio assistido ou simplesmente o deixar morrer sem prestar cuidados médicos.

O procedimento obedece a rigorosas formalidades e a uma séria de condições porque a eutanásia não é considerada como um direito absoluto.

O pedido do paciente só é aceite depois de este ter sido devidamente informado sobre todas as possibilidades terapêuticas. O médico tem um papel fundamental em todo o processo e deve analisar com o doente tanto o seu pedido de eutanásia como a possibilidade de receber cuidados paliativos alternativos.
A lei exige ainda um segundo parecer médico.

O doente deve estar consciente no momento do pedido, um pedido que deve ser voluntário e sem qualquer pressão externa. Essencial também é que a condição médica seja irreversível e que o sofrimento, físico ou psíquico, seja insuportável.

Há dois anos, quando o tema foi pela primeira vez votado no Parlamento português, a Antena 1 falou com um especialista em eutanásia. Trata-se de Jan Berhein, oncologista, especialista em cuidados de fim de vida e cuidados paliativos que é por muitos considerado como o pai da lei da eutanásia belga.

Andrea Neves, correspondente da Antena 1 em Bruxelas
Eutanásia em menores
Em 2014, a lei da eutanásia foi alterada para permitir que o processo pudesse ser estendido a crianças com doenças terminais independentemente da idade. É o único país do mundo que o permite. Na Holanda, Suíça e Luxemburgo a eutanásia pode ser concedida a menores, mas apenas a partir dos 12 anos de idade.

Desde que esta alteração foi introduzida, a eutanásia já foi concedida a três menores: um jovem de 17 anos que sofria de distrofia muscular, uma criança de 11 com fibrose cística e uma criança de nove com um tumor cerebral.

Para que a eutanásia seja aplicada é necessário que a criança expresse essa vontade e que os pais concordem com este pedido. Tal como nos adultos também o menor deve passar por uma avaliação médica que comprove que se encontra numa situação medicamente irreversível e de sofrimento permanente. Um sofrimento que não pode ser atenuado e que resultará na morte em curto prazo. Os médicos devem ainda avaliar as capacidades mentais da criança e perceber se a criança não foi influenciada por terceiros.
Os números na Bélgica
Em 2018 foram feitos 2357 pedidos de eutanásia. A maioria foi escrita em holandês e feita por pessoas entre os 60 e os 89 anos. Foram as mulheres (52,8 por cento) quem mais pediu para morrer através da eutanásia.

De acordo com a Comissão Federal de Controle e Avaliação da Eutanásia, a entidade responsável por acompanhar a aplicação da lei na Bélgica, a prática da eutanásia ocorreu sobretudo em casa do doente (46,8 por cento), nos hospitais (36,1 por cento) e nos lares de idosos (14,3 por cento).

A eutanásia foi sobretudo solicitada por doenças relacionadas com o cancro (61,4 por cento), a combinação de várias complicações (18,6 por cento) e doenças do sistema nervoso (8,3 por cento).

Mais da metade dos pedidos estrangeiros para eutanásia na Bélgica são de franceses.

Também há dois anos, a rádio pública ouviu um especialista sobre o fenómeno social da eutanásia para tentar perceber quem recorre, a influência da religião neste processo e como reagem os familiares do doente que recebe a eutanásia: Kenneth Chambaere, sociológo, especialista na relação da sociedade com o processo da Eutanásia na Bélgica.
A eutanásia em tribunal
Três médicos belgas foram absolvidos em tribunal, no final do mês de janeiro, da acusação de homicídio, depois de terem ajudado uma mulher a acabar com a vida em abril de 2010.

Os procuradores acusaram a equipa médica de não ter cumprido os procedimentos previstos na lei no caso de Tine Nys - a mulher de 38 anos, diagnosticada com síndrome de Asperger dois meses antes de receber a eutanásia.

Os pais e as irmãs da mulher, que estiveram presentes no momento da sua morte, alegaram que a paciente não apresentava nenhum distúrbio mental incurável, uma condição essencial para a concessão da eutanásia.

Foi o primeiro caso a chegar a tribunal desde que a eutanásia é permitida na Bélgica. Mas, após horas de deliberações, o júri, composto por 12 pessoas, decidiu ilibar os médicos.