"Extrema barbaridade" contra os Rohingya em debate na ONU

por RTP
O embaixador de Myanmar, Htin Lynn, disse que o Governo do seu país está a cooperar com o Bangladesh para garantir o retorno dos deslocados Susana Vera - Reuters

O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas realizou esta terça-feira uma reunião extraordinária, em Genebra, para examinar a situação dos muçulmanos Rohingya, perseguidos na antiga Birmânia.

O alto comissário para os Direitos Humanos da ONU, Zeid Ra'ad al-Hussein, disse na reunião da manhã desta terça-feira que nenhum dos mais de 620 mil Rohingya que fugiram da violência desde agosto deve ser repatriado para Myanmar, caso não tenha o devido acompanhamento nesse processo.

O representante da ONU disse ainda que as acusações de genocídio por parte de forças militares de Myanmar contra esta minoria não podiam ser descartadas.

Depois de "relatos de atos de extrema barbaridade cometidos contra os Rohingya, incluindo pessoas que  morreram queimadas dentro das suas casas, assassinatos de crianças e adultos, tiroteios indiscriminados de civis que fogem, violação de mulheres e meninas, e a queima e destruição de casas, escolas, mercados e mesquitas", Ra'ad al-Hussein perguntou mesmo se "alguém pode excluir que estejam presentes provas de genocídio".

O embaixador de Myanmar, Htin Lynn, disse no entanto que o Governo do seu país está a cooperar com o Bangladesh para garantir o retorno dos deslocados, num prazo de dois meses e que "não haverá campos".

O alto comissário apelou a que a Assembleia Geral da ONU estabeleça um novo mecanismo "para auxiliar as investigações criminais e apurar responsabilidades".

O Governo de Myanmar continua a negar as atrocidades contra os Rohingya. "As pessoas dizem o que querem acreditar e às vezes dizem o que lhes foi dito para dizer", declarou Htin Lynn.

Shahriar Alam, ministro dos Negócios Estrangeiros do Bangladesh, disse na sua intervenção em Genebra que o seu país alberga atualmente quase um milhão de "cidadãos de Myanmar", após as execuções "como arma de perseguição".


Esses crimes foram "cometidos por forças de segurança de Myanmar e vigilantes budistas extremistas", disse Alam, apelando ao fim da "retórica xenófoba", inclusive nos "níveis mais altos do governo e das Forças Armadas".

Até agora o acesso ao Estado de Rakhine - de onde fugiram os muçulmanos Rohingya - para as investigações ainda não foi autorizado pelo Governo de Myanmar. Marzuki Darusman, chefe de uma missão de investigação internacional independente na antiga Birmânia, disse em videoconferência, na sessão extraordinária desta terça-feira, que esperam ter autorização "no início de 2018".

Vila de Myar Zin


Vila Nwar Yon Taung


Reunião extraordinária apela aos Direitos Humanos
A pedido do Bangladesh e da Arábia Saudita, dois dos 47 Estados-membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU, “a situação dos Direitos Humanos dos muçulmanos rohingyas e de outras minorias no Estado de Rakhine” foi o tema em destaque nesta reunião extraordinária.

Os assassinatos, as agressões sexuais e outros crimes de que é alvo esta comunidade e que contribuíram para que mais de 620 mil pessoas fugissem para o Bangladesh, desde 25 de agosto, são as principais preocupações em debate.

O Conselho de Direitos Humanos foi criado em 2006 e não são frequentes sessões extraordinárias, tendo só decorrido 26 reuniões especiais até à data. Para a realização destas sessões é necessário que o pedido seja apoiado por pelo menos um terço dos países membros, e o pedido para a reunião desta manhã foi subscrito por 33 Estados-membros.

A última grande migração de Rohingya de Rakhine para o sul de Bangladesh começou a 25 de agosto, quando um ataque de um grupo rebelde visou instalações militares e de segurança de Myanmar, o que motivou violentas retaliações.

O Conselho de Direitos Humanos pretende aumentar a pressão sobre Myanmar, após o Conselho de Segurança da ONU ter instado, em outubro, as autoridades do país a fornecer dados concretos sobre a situação desta minoria.

Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), cerca de 836 mil muçulmanos Rohingya vivem em condições desumanas e insalubres nos acampamentos no sul do Bangladesh. Entre estes refugiados, 624 mil fugiram de Rakhine após a intervenção dos polícias e militares de Myanmar.


"Limpeza étnica"
Zeid Ra’adal-Hussein, alto-comissário para os Direitos Humanos da ONU, descreveu a repressão militar e policial de Myanmar contra os muçulmanos Rohingya como “um caso clássico de limpeza étnica”, após a denúncia de assassinatos, violações, tortura e deslocações forçadas.

Esta reunião extraordinária decorre após os governos de Myanmar e Bangladesh assinarem um acordo de intenções que visa a repartição dos mais de 600 mil refugiados da minoria muçulmana que fugiram da violência desta região.

No entanto, a Agência para os Refugiados da ONU (UNHCR na sigla em inglês) considera que não existem todas as condições para o retorno em segurança desta minoria para a antiga Birmânia.

"Não encontrei uma declaração clara de como esses refugiados serão repatriados. Não tenho certeza se eles serão autorizados a retornar à sua aldeia original", disse o ativista Nay San Lwin à Al Jazeera, acrescentando ainda que os refugiados não deviam retornar se a cidadania e os direitos humanos, pelo que têm lutado nas últimas décadas, não lhes forem previamente garantidos.

Esta crise humanitária é agravada com as dificuldades logísticas dos campos de refugiados do Bangladesh. Para além dos mais de 600 mil rohingya que chegaram desde o fim de agosto, já se encontravam refugiados neste país cerca de 400 mil rohingyas birmaneses e a população local tem pressionado o Governo do Bangladesh para que este acolhimento seja apenas temporário.


Nota: Mapa e informação baseada no trabalho multimédia “Life in the Camps” - “The Rohingya Crises” da agência Reuters.

Atualmente, a grande maioria dos Rohingya vive no Estado costeiro de Rakhine. Não são considerados um dos grupos étnicos oficiais em Myanmar e a sua cidadania foi recusada no país desde 1982, tornando-se assim apátridas.
“Concentração de refugiados”
Atualmente, existem cerca 838 mil refugiados no Cox’s Bazar, o distrito mais a sul do Bangladesh, a viver em abrigos improvisados ou locais de deslocamento, instalados em terrenos montanhosos e de difícil acesso, segundo um relatório do Grupo de Coordenação Inter Setorial (ISCG na sigla em inglês).

“Com tantas pessoas a instalar-se numa área tão pequena, o planeamento e gerenciamento do campo são vitais para a proteção dos refugiados rohingya”, observou a OIM num comunicado à imprensa.

Para além das cabanas improvisadas e a abarrotar, construídas em encostas enlameadas, os campos de refugiados no Bangladesh estão superlotados e têm condições de saneamento deficientes e poços de água sujos pelas latrinas vizinhas. Sujeitos a doenças, a condições insalubres e a escassos cuidados de saúde, os Rohingya são uma “receita para o desastre", diz a Reuters.




A velocidade e a escala a que se está a dar esta migração de refugiados para o Bangladesh, levaram à maior aglomeração de refugiados, tornando os campos de refugiados deste país os mais densamente povoados.

A grande e rápida concentração de pessoas nestas pequenas áreas que costumam albergar refugiados, levou à falta de ordenamento e à construção de abrigos improvisados e em locais de difícil acesso. A OIM e outras entidades de ajuda humanitária têm dificuldade em chegar a muitas destas zonas e, assim, em oferecer ajuda e recursos ou prestar qualquer tipo de serviço de saúde a quem mais necessita.

Dos dois principais campos de refugiados do Bangladesh, o acampamento de Kutupalong alberga mais de metade da população Rohingya na área de Cox's Bazar e mais de 40 mil abrigos já foram construídos em locais fora do espaço oficial deste acampamento, nas periferias.

As latrinas são outro dos problemas, uma vez que facilitam a transmissão de doenças. Existem cerca 7.839 blocos de latrinas no total, numa média de até cinco latrinas por bloco. No entanto, muitos refugiados já construíram as suas próprias latrinas, sem qualquer planeamento, levando à poluição das águas dos poços e de latrinas próximas expondo-se assim a apanhar doenças e a promover a sua propagação pelas outras pessoas.



A Alto Comissariado da ONU para os Refugiados aconselha a que os abrigos estejam a menos de 50 metros de uma latrina, de forma a promover o seu uso, mas longe o suficiente para evitar cheiros e “pragas”. Outro perigo para a saúde é a abertura de buracos para a defecação. Muitos dos que se alojam nas periferias dos campos abrem buracos no chão e a céu aberto, aumentado o risco de a matéria fecal contaminar fontes de água e alimentos.


São necessários poços de água potável em zonas congestionadas, tendo sido construídos cerca de 4.800 poços. Mas a 26 de novembro, um terço destes poços de bomba de mão estavam secos ou partidos. Além disso, muitas das latrinas improvisadas foram construídas perto das zonas de acesso de água, o que potencia a contaminação dos poços.



Segundo as diretrizes da ONU, esta densidade populacional nos campos refugiados torna, entre outras coisas, inaceitável o espaço pessoal. O recomendado é 35 metros quadrados por pessoa, mas em média em todos os campos de Bangladesh o espaço pessoal é de cerca de 15,46 metros quadrados, ou seja, menos de metade do recomendável.



Considerando a massiva migração de Rohingya e a falta de condições dos campos de refugiados e a dificuldade de dar resposta por parte das entidades do Bangladesh, o Conselho de Direitos Humanos da ONU realizou esta reunião extraordinária, com o objetivo de analisar a situação e debater o futuro desta minoria.
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