Facebook. Mais de 120 páginas de bandas associadas à supremacia branca

por Marcos Celso - RTP
Reuters

As redes sociais proporcionam oportunidades propagandísticas nunca vistas. Agora, em vez de ser necessária uma deslocação física a um qualquer encontro/reunião, as mensagens estão à distância de um clique – ou nem isso -, muitas vezes sob a forma de fake news, como se tem visto no panorama político mundial. O mundo da música não é excepção.

Nos casos que se seguem, numa investigação da Al Jazeera, não se trata de fake, mas sim de aparentemente confirmadas “páginas disfarçadas” pertencentes a grupos musicais com visões racistas e de supremacia branca.

A situação levou mesmo a que o Facebook tivesse removido várias páginas. A Unidade de Investigação da Al Jazeera identificou mais de 120 páginas de grupos de heavy metal e produtoras com ligações diretas à supremacia branca. As páginas conquistaram um total de mais de 800 mil gostos e algumas estão online há mais de 10 anos.

Três dessas páginas agora removidas - revela a Al Jazeera - pertenciam a bandas como os SoldierSS of Evil, Whitelaw e Frangar. São grupos que viram a plataforma reagir por violação das políticas do Facebook. Há ainda duas páginas em análise e que integram a lista de cinco identificadas e reveladas pela investigação da Al Jazeera, que, entretanto, as deu a conhecer ao próprio Facebook.
Música: letras antissemitas e suásticas
Mas a lista da Al Jazeera é extensa sobre possíveis violações das políticas no que respeita ao discurso de ódio no mundo musical. Foi descoberto que a maioria das páginas está online há anos, com muitos grupos musicais a publicarem ativamente notícias sobre as próximas apresentações, lançamentos musicais e publicidade de mercadorias, e por vezes usando imagens de supremacia branca.

M8l8th
é uma das páginas mais populares e pertence a uma banda de black metal da Ucrânia, cujo nome completo significa “Martelo de Hitler”. A Al Jazeera decifra: “Os dois oitos referem-se à letra H, a oitava letra do alfabeto. Tanto o 88 como o duplo H são taquigrafia comum nos círculos neonazis para Heil Hitler

Nas canções, o M8l8th usa partes de um discurso propagandístico do ministro nazi Joseph Goebbels e do Horst Wessel-Lied, o hino oficial do Partido Nazi de 1930 a 1945.

O fundador da banda, um russo chamado Alexey Levkin, estará intimamente ligado ao batalhão nacionalista de extrema-direita da Ucrânia Azov, que atualmente luta no conflito da Ucrânia contra separatistas apoiados pela Rússia.

Levkin, diz a Al Jazeera, também é um dos organizadores do Asgardsrei, “um festival de música neonazi realizado anualmente na capital da Ucrânia, Kiev. Os participantes do festival foram vistos agitando bandeiras suásticas e fazendo saudações nazis.” 

A Al Jazeera identificou páginas do Facebook pertencentes a bandas que se apresentaram em Asgardsrei, incluindo Goatmoon, uma banda finlandesa de “black metal” cuja página tem mais de 12 mil gostos.

Apesar de negar ligações à supremacia branca, há uma imagem suspeita, num “post” na página da banda no Facebook, que dá conta de uma tatuagem de um dos guitarristas a indicar o desenho de uma suástica.

Foto: Facebook/Instagram

Peste Noire exibe capuz da Ku Klux Klan

Um outro exemplo dado a conhecer pela Al Jazeera é o da banda francesa de metal Peste Noire, também conhecida como KPN (Kommando Peste Noire). Embora se apresente como anarquista nacionalista, a banda lançou músicas chamadas “Aryan Supremacy” e “Les Camps de la Mort”, que contêm letras algo suspeitas: "Antes de deixar esta Terra”, “Quero a tua morte”, e outras, são exemplos que, a par de um álbum no qual o vocalista veste um capuz da Ku Klux Klan, deixam antever um pouco da mensagem musical que se pretende fazer passar ao público, sobretudo jovem.
Foto: Al Jazeera

Os mais atentos ao fenómeno confirmam as intenções: "Os supremacistas brancos sempre usaram a música extrema, do punk ao black metal, como uma oportunidade de recrutamento", disse à Al Jazeera Nick Spooner, que trabalha para o grupo de defesa anti-racista e antifascista HOPE.

Capa do álbum de Auschwitz

Há ainda exemplos que nos chegam da continente americano. No México, Volrisch dá nome a uma banda que exibe uma capa de álbum a ilustrar a entrada para o campo de Auschwitz-Birkenau. Essa é também a imagem que usa na foto de capa da página do Facebook. “ Jewish Plague” e “New Holocaust” são duas músicas que se podem ouvir nesse álbum. 
Foto: Al Jazeera

Wotanorden, dos EUA, celebrou 1.488 gostos na sua página com “88” para se referir a "Heil Hitler" e “14” a lembrar o slogan "14 palavras", um grito de guerra comum entre os supremacistas brancos: "Precisamos garantir a existência de nosso povo e um futuro para crianças brancas".

É de notar que nos Estados Unidos a circulação de propaganda supremacista branca aumentou 120% em 2019, segundo a organização não-governamental Liga Antidifamação (ADL).

O fenómeno atinge tal dimensão que até o FBI fez saber que os extremistas racistas nos EUA são considerados como “uma ameaça nacional” e que são vistos com os níveis de perigosidade das organizações terroristas estrangeiras.

Na longa lista apresentada pela Al Jazeera há ainda bandas como Leibstandarte, igosKristallnacht e Einsatzgruppen. Em comum estão as referências, respetivamente, ao braço militar Waffen-SS, do partido nazi, ao pogrom da Kristallnacht, organizado pelos nazis, e aos esquadrões da morte ou Einsatzgruppen, responsáveis por matar milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
Facebook reage
Estes exemplos surgem na mesma semana em que o Facebook lançou uma auditoria interna, em tom crítico, sobre o histórico da empresa em tratar os direitos civis e impedir o discurso de ódio.

Há ainda as ameaças recentes de mais de 500 empresas, incluindo a Coca-Cola e a Starbucks, em cortar a publicidade no Facebook, caso faltem medidas que bloqueiem o discurso de ódio, ainda a viver-se um ambiente de revolta pela morte de George Floyd, um negro morto nas mãos da polícia branca dos Estados Unidos.
Um porta-voz do Facebook disse à Al Jazeera que a empresa não permite discursos de ódio na sua plataforma, incluindo conteúdo de supremacia branca.

"Infelizmente, tolerância zero não significa zero incidentes. Removemos três dessas páginas por violarem as nossas regras e estamos a rever as duas restantes à luz das nossas políticas", sublinhou. 

"Continuaremos a aprimorar as nossas tecnologias, fazendo evoluir as nossas políticas e trabalhando com especialistas para identificar e remover o ódio da nossa plataforma".

Na quarta-feira, o Facebook lançou uma auditoria de dois anos sobre direitos civis e as tentativas da empresa de conter a disseminação do discurso de ódio na plataforma.

O relatório de 89 páginas de especialistas em direitos civis criticou fortemente o Facebook, dizendo que a empresa tem de fazer mais sobre o discurso de ódio anti-muçulmano, anti-judeu e outros.

"Na nossa opinião, a abordagem do Facebook aos direitos civis permanece muito reativa e fragmentada", concluiu o relatório.

A diretora de operações do Facebook, Sheryl Sandberg, reconheceu que a empresa deverá seguir alguns dos conselhos do relatório.

pub