"Fantasma de Kiev". O militar que teria derrubado 40 aviões russos é, afinal, um mito

por Joana Raposo Santos - RTP
A Força Aérea da Ucrânia pôs fim à crença de que um militar estava a derrubar aeronaves russas, garantido que a figura louvada pelos ucranianos não passa de um mito. Stoyan Nenov - Reuters

Muitos acreditaram que um só homem tinha derrubado mais de 40 aviões russos, sobrevivido a ataques e ajudado a combater as forças inimigas até à morte. O "Fantasma de Kiev", como ficou conhecido, deu esperança ao povo ucraniano em tempos de intensa guerra e massacres ordenados por Moscovo. Agora, porém, a sua existência vê-se por fim desmentida, tornando este herói numa lenda sobre a força e resistência das forças militares da Ucrânia.

Foi apenas um dia depois da invasão russa da Ucrânia que os meios de comunicação desse país começaram a mencionar um piloto de identidade desconhecida, que teria derrubado seis aeronaves inimigas em apenas 30 horas, a bordo de um avião de combate MIG-29.

Pouco depois, começaram a circular pelas redes sociais ilustrações e vídeos com o hashtag “Fantasma de Kiev”. Até o ex-presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko, partilhou uma fotografia de um piloto a quem chamou de Fantasma de Kiev, atribuindo-lhe “seis vitórias sobre pilotos russos”.


O próprio Governo da Ucrânia ajudou, ainda em fevereiro, a disseminar esta informação, publicando um vídeo de um piloto desconhecido e louvando-o pela “invasão das aeronaves russas”. “As pessoas chamam-no de Fantasma de Kiev. E com razão, pois este ás domina os céus da nossa capital e do nosso país”, escreveu o Executivo de Volodymyr Zelensky.


No início de março, o antigo legislador ucraniano Ihor Mosiychuk veio dar força ao boato ao divulgar nas redes sociais que o piloto tinha sobrevivido, regressado à base e voltado a voar para derrubar mais aeronaves inimigas. Pouco depois, o jornal Kyiv Post escrevia que o Fantasma de Kiev tinha destruído pelo menos 49 aviões russos.

Agora, porém, chega a confirmação de que a figura louvada pelos ucranianos não passa de um mito. A fotografia publicada por Poroshenko era, afinal, de uma publicação de 2019 feita pelo Ministério ucraniano da Defesa, e o vídeo partilhado pelo Governo era de um simulador de voos de combate.

“O Fantasma de Kiev é um super-herói e uma lenda cujo carácter foi criado por ucranianos”, assegurou, no Facebook, a Força Aérea da Ucrânia, desmentindo o rumor.
“Precisamos desta propaganda em tempos de guerra”
O esclarecimento chega depois de vários diários internacionais, incluindo o britânico Times of London, terem identificado o Fantasma de Kiev como o militar Stepan Tarabalka, um homem de 29 anos que morreu numa batalha aérea entre Ucrânia e Rússia no passado mês de março.

O desmentido vem confirmar que tudo não passou de propaganda ucraniana para aumentar a moral num contexto de guerra física, mas também de guerra de informação entre os dois países vizinhos.

“O herói ucraniano Stepan Tarabalka NÃO é o Fantasma de Kiev e NÃO atingiu 40 aviões”, escreveu a Força Aérea ucraniana na mesma publicação no Facebook, explicando que, “no dia 13 de março, Tarabalka foi heroicamente morto numa batalha área com as forças dominantes dos ocupantes russos”.

“Mais uma vez, pedimos à comunidade ucraniana que NÃO negligencie as regras básicas da partilha de informação e que verifique as fontes antes a divulgar”, pediram as autoridades.

No Twitter, a Força Aérea acrescentou que “as informações sobre a morte do Fantasma de Kiev estão incorretas”. “O Fantasma de Kiev está vivo, encarna o espírito coletivo dos pilotos altamente qualificados da Brigada de Aviação Tática que estão a defender, com sucesso, a região de Kiev”, frisou.


À BBC, o historiador militar ucraniano Mikhail Zhirohov explicou que seria praticamente impossível um só piloto derrubar mais de quatro dezenas de aviões. “Apenas poderia derrubar dois ou três”, considerou, lembrando que no início da guerra a Rússia dominava o espaço aéreo da Ucrânia.

O especialista defendeu, porém, ser “essencial haver esta propaganda, visto que as nossas forças armadas são mais pequenas e que muitos acreditam que não conseguimos igualar a Rússia”.

“Precisamos disto em tempos de guerra”, assinalou, louvando a criação de um fantasma que se tornou símbolo da resistência ucraniana.
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