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Fim do "Reino da Alemanha". Berlim neutraliza e proíbe grupo extremista paralelo ao Estado

por Graça Andrade Ramos - RTP
"Centenas de polícias" realizaram operações de busca em sete regiões da Alemanha para desmantelar o grupo subversivo Reino da Alemanha Annegret Hilse - Reuters

O governo alemão agiu esta terça-feira contra um dos maiores grupos de um movimento subversivo e contestatário, centrado em minar o Estado e a "ordem democrática" do país. Sediado no leste da Alemanha mas com ramificações em todo o país, o 'Reino da Alemanha', ou KRD, operava como um autêntico estado à margem do estado.

O seu líder, Peter Fitzek, que se autointitulava rei Peter I, foi detido com outros três membros fundadores. "Isto é ilegal e ilícito", reagiu Fitzek à Spiegel TV enquanto era levado algemado.

O ministro alemão da Administração Interna, Alexander Dobrindt, revelou que foram realizadas operações de busca em sete regiões. A operação policial mobilizou "centenas de polícias" na Alemanha, revelaram as autoridades. De acordo com os serviços de informação alemães, o grupo é composto por cerca de seis mil membros ligados como num culto. Integra-se no movimento heterogéneo dos Reichsbürger ou 'cidadãos do Reich' que não reconhecem a autoridade estatal de Berlim.

Muitas vezes identificados com a extrema-direita, no seu cerne ideológico os membros do KRD "negam a existência da República Federal da Alemanha e rejeitam o seu sistema jurídico", referiu Dobrindt.

A organização, Königreich Deutschland na língua alemã, que originou a sigla KRD, foi igualmente banida a partir de hoje, uma vez que "os seus objetivos e as suas atividades são contrárias à legislação penal e vão contra a ordem constitucional", anunciou o ministério.
Quem era o KRD
Fundada no leste da Alemanha em 2012 por Peter Fitzek, um antigo professor de karaté, o Königreich Deutschland tinha sede perto de Wittenberg, um município localizado entre Berlim e Leipzig.

Em pouco mais de 10 anos difundiu-se por todo o país, conseguindo estabelecer "um estado paralelo no nosso país e desenvolvendo estruturas relevantes da crime económico", admitiu Alexander Dobrindt, em conferência de imprensa.

Embora "este grupo não seja considerado particularmente armado" e "nenhuma arma importante tenha sido apreendida até agora", estas não são "nostalgias inofensivas", insistiu.

Em comunicado, Dobrindt, que assumiu o cargo na semana passada como parte de um novo governo de coligação, explicou que "eles sustentam a sua alegada reivindicação de poder com narrativas de conspiração antissemitas".

"Tomaremos medidas decisivas contra aqueles que atacam a nossa ordem básica democrática e livre", prometeu. A Alemanha tem ainda cerca de "40 outros" grupos que se auto-intitulam "reinos" ou "impérios", revelou. "Estamos a reforçar a segurança no nosso país", publicou o chanceler Friedrich Merz no X. "Isto inclui tomar medidas contra aqueles que tentam lutar internamente contra a nossa constituição".

A ordem para banir o grupo foi dada pouco antes das rusgas, disse o ministério. A proibição estatal significa que a presença online do 'Reino da Alemanha' será bloqueada e os seus bens confiscados.

As autoridades alemãs chamaram ao KRD "a maior associação no cenário crescente" de radicais que rejeitam a república federal. 

A nova coligação governamental da Alemanha, liderada pelo chanceler conservador Friedrich Merz, que tomou posse na semana passada, está a enfrentar um aumento de ideologias extremistas de direita.

O partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) é agora a maior força de oposição na Câmara dos Representantes, depois de ter alcançado um resultado recorde nas eleições parlamentares de fevereiro.

No início de maio, os serviços secretos alemães consideraram a AfD "extremista" e uma "ameaça à democracia", abrindo a porta à sua proibição.
Peter I
Além de Fitzek, a Procuradoria identificou os detidos na terça-feira apenas como Mathias B, Benjamin M e Martin S, em conformidade com as regras de privacidade.

Os procuradores alegam que os quatro suspeitos criaram, na última década, "estruturas e instituições pseudo-estatais", incluindo um banco, um plano de saúde e de pensões, documentos de identidade e uma moeda separada. Os membros do Reino da Alemanha obedeciam a um grupo de leis próprias

Em 2023, Peter Fitzek explicou, em entrevista à Agência France Press, que havia fundado o seu próprio estado, afim de contrariar a "manipulação de massas" generalizada na sociedade alemã.

Num grupo de edifícios renovados a servir de palácio, o autointitulado rei Peter I alegou ter recebido em vários locais apoiantes com "espírito pioneiro" que "querem trazer mudanças positivas ao mundo".
Os 'cidadãos do Reich'
Descritos como "extremistas perigosos" pelo ministério, os membros do Königreich Deutschland integram o Reichsbürger, movimento que agrega na Alemanha pessoas que não reconhecem nem a autoridade do Estado nem a legitimidade das suas instituições. Alguns dos seus apoiantes também apoiam visões de extrema-direita. 

Muitos destes 'cidadãos do Reich' acreditam na continuação do Reich alemão pré-Primeira Guerra Mundial, sob a forma de monarquia. Vários grupos de simpatizantes decretaram a criação dos seus próprios mini-Estados, não reconhecem instituições, incluindo o parlamento ou os tribunais, e os seus seguidores recusam-se a pagar impostos, contribuições sociais ou multas. De acordo com os serviços de informação nacionais alemães, este movimento, muitas vezes comparado ao movimento QAnon dos Estados Unidos, tinha cerca de 23.000 membros no país em 2022.

O serviço de informações interno alemão, o Gabinete para a Proteção da Constituição (BfV), colocou o Reichsbürger sob observação em 2016, depois de um dos seus membros ter morto a tiro um polícia durante uma operação na sua casa.

O movimento veio a público para a maioria dos alemães em dezembro de 2022, quando as autoridades atacaram vários dos seus líderes, que, alegaram, estavam em fases avançadas de planeamento de um golpe armado. Seria liderado por um pequeno aristocrata e empresário, Henrique XIII, o Príncipe Reuss.

Em março deste ano, um tribunal alemão condenou cinco membros de um grupo extremista ligado ao Reichsbürger por planearem um golpe e raptarem o então ministro da saúde, Karl Lauterbach, o que atraiu a ira de muitos opositores das restrições da era da Covid.

Foi um dos vários julgamentos que tiveram como alvo o movimento mais amplo.
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