França. PS anuncia abstenção na moção de censura e viabiliza Orçamento de Bayrou

por Graça Andrade Ramos - RTP
Ex-presidente socialista François Hollande em diálogo com o deputado do PSF Aurelien Rousseau antes do debate do Orçamento do Estado francês Gonzalo Fuentes - Reuters

A decisão socialista, de não apoiar uma nova moção de censura interposta pela esquerda radical francesa ao governo de François Bayrou, foi praticamente unânime, de 59 votos contra quatro. O rompimento com a aliança da esquerda dá alento à saída de uma crise institucional que tem enredado a França, deixando o país sem Orçamento do Estado para este ano, quando enfrenta uma dívida pública recorde.

Mais vale um "mau" orçamento do que nenhum orçamento, decidiu o PS francês, num afastamento dos seus parceiros do bloco da Nova Frente Popular. A nova moção de censura, a segunda em três semanas, tem votação marcada para quarta-feira.


A abstenção socialista é essencial para o chumbo da moção de censura e abre caminho à aprovação da proposta de orçamento apresentado esta segunda-feira pelo primeiro-ministro francês, o centrista François Bayrou, que invocou o artigo 49.3 da Constituição francesa, para tentar aprova-la.

Perante uma Assembleia Nacional dividida e radicalizada, o primeiro-ministro lembrou a responsabilidade da Câmara, "se assim o decidir", em ultrapassar o impasse político que levou à queda de dois governos em menos de cinco meses. "Será um sinal de responsabilidade, de estabilidade", afirmou.

Contudo, nada está garantido. Bastará pouco mais de uma dúzia de deputados socialistas votar a favor da censura para esta ter possibilidade de ser aprovada, sobretudo se a extrema-direita do Rassemblement National, RN, decidir o mesmo, como fez a 4 de dezembro quando fizeram cair o executivo de Michel Barnier.

Este invocara também o artigo 49.3, um procedimento previsto para contornar uma votação bloqueada, mas acabou por soçobrar, depois do fracasso da sua estratégia de cedências ao RN, que as considerou insuficientes.

Bayrou escolheu os socialistas para negociar e já obteve frutos, tendo sobrevivido à primeira moção de censura apresentada logo em janeiro.

Os socialistas mostraram-se na altura divididos se rompiam ou não fileiras com a Nova Frente Popular, o bloco que uniu extrema-esquerda, comunistas, verdes e socialistas, para conquistar a maioria de votos na Assembleia nas eleições de julho passado.

Desta vez, não houve cisões.

"Esta é a posição unânime dos deputados socialistas", esclareceu o grupo socialista, ao anunciar a sua abstenção esta segunda-feira.
De quatro para três
Jean-Luc Mélenchon, líder da LFI, La France insoumise, a esquerda radical, atualmente a força da esquerda mais votada, reagiu em força, considerando que, com esta escolha, o Partido Socialista francês abandona a Nova Frente Popular.

"O voto de não censura do PS consuma a sua mobilização ao governo de Bayrou", disse. "A NFP ficou com menos um partido", acrescentou. "Vai ser necessário verificar quem permanece e como funcionar". "Em caso de novas eleições legislativas, os deputados que não tenham votado a moção de censura não poderão representar a NFP", decretou o coordenador da LFI, Manuel Bompard, numa tentiva de pressão.


Por trás da decisão socialista estão concessões orçamentais do primeiro-ministro a exigências do PS e apelos de figuras como o antigo primeiro-ministro socialista Lionel Jospin, que no sábado sublinhou que a censura deixaria o país mais uma vez sem governo e sem Orçamento.

Para a LFI, a abstenção socialista configura contudo a perda de possibilidade de vir a integrar um governo da Nova Frente Popular. O derrube de sucessivos governos centristas servia a estratégia de forçar o presidente, Emmanuel Macron, a desistir de nomear governos centristas.

Criticando a decisão socialista, o presidente Insoumis da comissão de finanças na Assembleia, Eric Coquerel, sublinhou a fragilidade das concessões obtidas pelo PS em troca da abstenção, com um orçamento total "pior" do que o proposto por Michel Barnier, prevendo menos 6,2 mil milhões de euros de receitas e mais 6,4 mil milhões de euros.
Um "mau" orçamento para o PS

Na verdade, muitos socialistas criticam uma proposta de orçamento que lhes desagrada devido aos cortes orçamentais em áreas como a Educação, a Saúde e o Meio Ambiente, e a uma política anti-migração.

"Não votar a censura é manter Bayrou, que há dias falava em submersão migratória para agradar ao RN", fustigou Clémence Guetté, representante socialista da região do Val-de-Marne, na rede X.

Os socialistas anunciaram a sua própria moção de censura para a próxima semana, via artigo 49.2, em defesa dos "valores da República". Uma forma de sancionar as palavras de François Bayrou que não se retratou das suas referências à submersão migratória, expressão cara à extrema-direita para criticar a imigração, que considera substituição populacional.

"Este orçamento não é um bom orçamento, no entanto, a França necessita de um orçamento. É por esta razão que o Partido Socialista tomou uma decisão, a de censurar o governo no final do processo parlamentar", explicou o porta-voz dos deputados socialistas, Arthur Delaporte.

"Porque nos opomos a este governo, ao que ele representa, ao que disse na semana passada sobre a sobrecarga migratória, mas de forma mais ampla a todos os desafios ao Estado de direito", acrescentou.

As hipóteses da moção de censura PSF ser apoiada pelas restantes bancadas são ínfimas.

Invocar o "49.2 sobre a política de migração é uma hipocrisia sem nome e sem risco, pois sabem muito bem que será uma bala perdida", criticou Coquerel.
O início do fim de um enredo
Com a abstenção à censura interposta pela LFI, os socialistas podem contudo vir a ganhar influência, depois de anos afastados dos principais centros políticos de decisão franceses.

Surgem como moderados numa crise política instalada desde as eleições legislativas do verão passado, após o presidente Emmanuel Macron ter dissolvido o Parlamento em junho, devido à derrota do seu campo nas eleições europeias.

A votação gerou um Parlamento dividido em três grandes blocos - esquerda, centro-direita e extrema-direita, - e o único consenso entre os deputados tem ocorrido somente para derrubar governos minoritários sucessivos, como no caso de Barnier.

Bayrou é o quinto primeiro-ministro francês no prazo de um ano e o terceiro em pouco mais de seis meses. Para já, a sua bóia de salvação, assim com a da própria França, parecem ser os socialistas.

Em segundo plano e a aguardar outros desfechos, estão Marine Le Pen, presidente do grupo do RN na Assembleia, e a Jordan Bardella, presidente do partido.
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