Greta Thunberg acusa líderes mundiais de inação face a crise climática

por Inês Moreira Santos - RTP
Fredrik Sandberg - EPA

A poucos dias do início da COP26, que vai decorrer na cidade de Glasgow de 31 de outubro a 12 de novembro, Greta Thunberg acusou os líderes mundiais, particularmente os das grandes nações, de negação e até inação na resposta à crise climática, durante "décadas de blá, blá, blá". Num artigo de opinião, a ativista criticou também os Estados Unidos, o Reino Unido e a China por distorcerem os dados estatísticos das emissões para parecer que os níveis tinham sido reduzidos.

"A negação da crise climática e ecológica é tão profunda que já quase ninguém se apercebe. Como ninguém trata esta crise como uma crise, os alertas continuam a afogar-se numa maré constante de greenwash [anglicismo que siginifica 'banho verde', referindo-se à injustificada apropriação de virtudes ambientalistas] e nos temas diários das notícias nos media", começou por escrever, numa crónica para o Guardian, Greta Thunberg.

António Guterres classificou o último relatório do IPCC sobre a crise climática como um "código vermelho" para a humanidade, recordou a ativista, citando-o: "Estamos à beira do abismo".

Mas nem as palavras e os alertas do secretário-geral das Nações Unidas deixaram em alarme a "nossa sociedade". Embora ainda haja esperança, a ativista sueca considera que é necessária "honestidade",  porque "a ciência não mente".

"Os factos são de uma clareza cristalina, mas simplesmente continuamos a recusar aceitá-los. Recusamo-nos a reconhecer que, agora, temos de escolher entre salvar o planeta vivo ou salvar o nosso estilo de vida insustentável. Porque queremos os dois. Exigimos ambos".

Contudo é inegável que adiámos, continuou, e agora é "muito tarde para isso". Por mais desconfortável que "essa realidade possa parecer, é exatamente isso que os nossos líderes decidiram para todos nós ao longo de décadas de inatividade". A jovem ativista acusou mesmo os governantes de "décadas de blá, blá, blá".
Reduções drásticas e imediatas

Em vésperas de iniciar a Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas de 2021 (COP26), Greta Thunberg recordou que se o objetivo for alcançar, pelo menos, as metas estabelecidas no Acordo de Paris, são necessárias "reduções de emissões anuais drásticas e imediatas". E, visto que ainda não dispomos das "soluções tecnológicas" que no futuro podem responder às necessidades, "temos de fazer mudanças essenciais na nossa sociedade".

"Neste momento, estamos a caminhar a passos largos para um mundo, pelo menos, 2,7°C mais quente até ao final deste século - e isso apenas se os países cumprirem todas as promessas que fizeram", continuou, acrescentando que as nações estão longe de o fazer e de conseguir alcançar estas metas.

De acordo com os especialistas, o ano de 2021 terá o segundo maior aumento de emissões já registado, e as emissões globais deverão aumentar 16 por cento até 2030, comparativamente aos níveis de 2010. E, segundo a Agência Internacional de Energia, apenas dois por cento dos gastos de recuperação dos governos foi investido em energia limpa, tendo aumentado a produção e queima de carvão, petróleo e gás só em 2020.

"Esta é a maneira que a ciência tem para nos dizer que não conseguimos atingir as nossas metas sem uma mudança no sistema", escreveu a ativista.
Governos "distorcem" valores de emissões

"Estamos a falhar totalmente para alcançar metas que são completamente insuficientes", repetiu a crítica.

"E essa não é a pior parte. No meu próprio país, a Suécia, uma investigação jornalística concluiu recentemente que, uma vez que sejam incluídas todas as emissões reais do país (territorial, biogénica, consumo de bens importados, queima de biomassa, investimentos em fundos de pensão, entra outras coisas), apenas um terço desse total é contabilizado nas metas climáticas do Governo. É fácil adivinhar que isto não é apenas um fenómeno sueco".

"Certamente, o primeiro passo para responder a uma crise climática deve ser incluir todas as nossas emissões reais nas estatísticas, a fim de obter uma visão geral holística", esclareceu. "Dessa forma, conseguiríamos avaliar a situação e começar a fazer as mudanças necessárias. Mas essa abordagem não foi adotada - nem mesmo proposta - por nenhum líder mundial. Pelo contrário, todos recorrem a táticas de comunicação e relações públicas para parecer que estão a agir".

O Reino Unido é, como aponta Greta Thunberg, "um exemplo clássico". Produz, anualmente, 570 milhões de barris de petróleo e de gás e, adicionalmente, extrai de uma plataforma continental mais 4,4 mil milhões de barris. Além disso, o Reino Unido está entre os dez maiores emissores do mundo.

"Entre 1990 e 2016, o Reino Unido reduziu as emissões territoriais em 41 por cento. No entanto, quando inclui a escala total das emissões do país - como o consumo de produtos importados, aviação internacional e transporte marítimo - a redução é de cerca de 15 por cento. E isso exclui a queima de biomassa, como na central elétrica Drax's Selby - uma central considerada de "energias renováveis" que é, de acordo com uma investigação, a maior emissora individual de dióxido de carbono do Reino Unido e a terceira maior em toda a Europa. Mesmo assim, o Governo ainda considera o Reino Unido um líder global no clima".

O Governo britânico anunciou, na terça-feira, uma estratégia de emissões zero, prometendo mais investimentos em carros elétricos, pontos de carregamento nas ruas e plantação de árvores. Embora tenha detalhado os planos para cumprir as metas legais de reduzir as emissões a zero até 2050, foi criticado por não dispor de políticas ou investimentos suficientes para impulsionar a transformação necessária.

Mas o Reino Unido não é o único a usar dessa "contabilidade criativa de carbono".

A China é, atualmente, o maior emissor de CO2 do mundo, mas está a planear construir mais 43 centrais a carvão, para além das mil que já tem a operar. Pior, salienta a ativista, é o Governo chinês afirmar-se como "pioneiro ecológico" empenhado em tornar o "mundo limpo e bonito para as gerações futuras".

A jovem sueca não ficou por aí e estendeu as críticas à Administração norte-americana de Joe Biden.

"O novo governo dos EUA, que afirma 'ouvir a ciência' (...), anunciou recentemente planos de abrir milhões de hectares para petróleo e gás que poderiam resultar na produção de até 1,1 mil milhões de barris e 4,4 triliões de pés cúbicos de gás fóssil".

E, apontou: "Ser de longe o maior emissor da História, assim como o maior produtor de petróleo do mundo, não parece envergonhar os Estados Unidos, embora afirmem ser líderes climáticos".
"Ainda não" existem líderes climáticos
Em tom de conclusão, Greta Thunberg afirmou que "não existem líderes climáticos. Ainda não. Pelo menos não entre as nações mais ricas".

O problema, referiu, é que o nível de consciencialização pública e a pressão sem precedentes da comunicação social "que seriam necessárias para que surgisse de facto uma liderança real ainda é basicamente inexistente".

"A ciência não mente, nem nos diz o que fazer", repetiu. "Mas dá-nos uma ideia do que tem de ser feito".

E, embora sejamos "livres para ignorar e permanecer em negação" ou para continuar a fingir que não existe crise climática "atrás de uma contabilidade inteligente, lacunas e estatísticas incompletas", nada disso vai contribuir para enfrentar o aquecimento global.

"Como se a atmosfera se importasse com as nossas estruturas. Como se pudéssemos discutir com as leis da física", ironizou, citando Jim Skea, cientista do IPCC: "Limitar o aquecimento a 1,5ºC é possível dentro das leis da química e da física, mas isso exigiria mudanças sem precedentes".

Por isso, a jovem sueca considerou que, para que a Cop26 em Glasgow seja um sucesso, é "necessário honestidade, solidariedade e coragem".

Embora os cenários pareçam "muito sombrios e sem esperança", a jovem de 18 anos recordou que "ainda podemos reverter isto", se "estivermos preparados para mudar".

"Tudo o que verdadeiramente é necessário é um líder mundial, ou uma nação rica, uma grande estação de televisão ou um jornal importante, que decida ser honesto, tratar de facto a crise climática como a crise que é. Um líder que conta todos os números - e que toma medidas corajosas para reduzir as emissões ao ritmo e na escala que a ciência exige. Assim, tudo podia seguir em direção à ação, esperança, propósito e significado".
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