Guerra da Argélia. Emmanuel Macron recusa arrependimentos e desculpas

por Graça Andrade Ramos - RTP
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A presidência francesa anunciou esta quarta-feira que Emmanuel Macron irá participar nos "atos simbólicos" previstos para lembrar a guerra da Argélia e reconciliar os dois países, sem contudo pedir as "desculpas" pretendidas por Argel.

"Não haverá arrependimentos nem pedidos de desculpas" pela ocupação da Argélia ou pela guerra de independência que durou oito anos, referiu o Eliseu.O esclarecimento coincide com a publicação de um relatório muito aguardado do historiador francês Benjamin Stora, encarregue em julho passado pelo Presidente francês de estudar "os problemas de memória sobre a colonização e a guerra da Argélia", ocorrida entre 1954 e 1962.

Ao fim de 60 anos, as memórias sobre o período conturbado da história comum dos dois países são díspares e continuam a vir à tona.

Emmanuel Macron quer aproveitar os 60 anos da independência da Argélia para apaziguar as relações entre ambos e conciliar os relatos dolorosos sobre tudo o que ocorreu.

Com limites.

"O arrependimento está fora de questão", insistiu a presidência, apoiando-se no relatório de Benjamin Stora, que cita os exemplos das desculpas apresentadas pelo Japão à Coreia do Sul e à China, após a Segunda Guerra Mundial, mas que não abriram caminho à "reconciliação".

Macron tem dito que quer desbloquear e acalmar toda a questão de forma a reconciliar as partes. Trata-se de "olhar a História de frente", de uma "forma serena e calma", para "construir uma memória de integração", uma "tarefa a longo prazo" e não necessariamente de gestos diplomáticos de efeito imediato, sustentou o Eliseu.

"Irá haver palavras" e "atos" nos "próximos meses", garantiu a presidência francesa, incluindo a abertura de um "período de consultas".

Para o Eliseu, mais importante do que pedir perdão é "sair do não-dito e da negação" sobre a guerra. É, em suma, "uma iniciativa de reconhecimento" da verdade.

Emmanuel Macron irá desse modo participar nos três dias de comemoração simbólica dos 60 anos do fim da guerra da Argélia, cada um deles deles marcado pelas diferenças entre as respetivas memórias coletivas.

Serão comemorados o 25 de setembro, dia nacional dos harkis [argelinos muçulmanos que serviram como auxiliares do exército francês e depois abandonados à sua sorte], a repressão de uma manifestação de argelinos a 17 de outubro de 1961 em Paris e os Acordos de Evian assinados a 19 de março de 1962, que declararam o cessar-fogo.
Um balanço "justo"
Emmanuel Macron, o primeiro Presidente francês nascido após a independência argelina, foi igualmente o primeiro Presidente de França a classificar os atos de franceses na Argélia como "crimes contra a humanidade".

Palavras proferidas em fevereiro de 2017, antes de ser eleito mas que o Presidente mantém, referiu o Eliseu, revelando que Macron irá agora estudar as conclusões do relatório Stora, com ênfase no reconhecimento do assassínio, pelo exército francês, do advogado e líder nacionalista argelino Ali Boumendjel, em 1957.

Também será avaliada a entrada no Panteão francês, que acolhe os Heróis de França, da advogada anti-colonialista Gisèle Halimi, falecida em julho de 2020, frisou a presidência.

O relatório de Stora, um conhecido especialista da história contemporânea da Argélia, tem cerca de 150 páginas em busca de "um balanço justo e preciso do caminho percorrido pela França quanto à memória da colonização e da guerra da Argélia".França e Argélia partilham mais de 100 anos de história, desde a conquista e colonização em 1830 até à Guerra da Independência, mas os estudos sobre o período divergem consoantes os interesses pessoais.

Se em Argel a memória da guerra continua a cimentar o sentimento de nacionalismo prós independência e a legitimar o poder ainda vigente, em França os repatriados da Argélia e a extrema-direita rejeitam o reconhecimento dos "crimes" referidos por Macron.

Ao entregar as conclusões do seu estudo, Stora propôs a Macron a criação em França de uma comissão sob o nome "Memória e Verdade", com a missão de desenvolver "iniciativas comuns entre a França e a Argélia sobre as questões de memória" com fim a uma reconciliação.Um relatório para o apaziguamento
A Argélia e as suas memórias continuam presentes em milhões de lares franceses, sejam eles de repatriados, de ex-soldados, de harkis ou de imigrantes argelinos.

À Agência France Presse, Benjamin Stora revelou que o seu objetivo foi "recuperar as memórias", muitas vezes múltiplas e conflitantes, destas pessoas. Apelou nesse sentido a "ações, como a abertura dos arquivos, a identificação de locais, a procura dos desaparecidos, o cuidado com os cemitérios".

"São coisas muito simples, muito práticas, muito evidentes mas motivo de contenciosos, de problemas muito pesados entre a França e a Argélia", sublinhou o historiador.

Numa iniciativa concertada com Macron, o Presidente da Argélia, Abdelmadjid Tebboune, ordenou ao diretor dos Arquivos Nacionais, Abdelmadjid Chikhi, que trabalhasse em colaboração com Stora a questão da memória.

Tebboune apelou a ambos que trabalhassem "na verdade, na serenidade e no apaziguamento para resolver estes problemas que envenenam as nossas relações políticas, o clima de negócios e o bom entendimento".
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