Guerra no Sudão desencadeia catástrofe ambiental e humanitária

por Carla Quirino - RTP
Mahamat Ramadane - Reuters

A falta de bens essenciais, água potável e a acumulação de corpos empilhados nas ruas estão a criar uma "catástrofe ambiental", dizem os médicos sudaneses. A maioria dos hospitais nas áreas de confronto armado estão "fora de serviço". Na capital Cartum, apenas 16 por cento das unidades de saúde estão operacionais.

A escassez crítica de bens essenciais, como a água, alimentos e combustível, está a intensificar-se na região da capital Cartum com o conflito entre os dois exércitos rivais.

O sindicato dos médicos do Sudão alerta para a “catástrofe ambiental” que já se alastra com o “o número de cadáveres empilhados nas ruas” a crescer.

A organização descreve também que devido ao abastecimento de água estar interrompido em áreas de Cartum, particularmente em Bahri, o aumento de casos de doenças graves aumentaram. Os médicos explicam que as pessoas desesperadas procuram o Nilo e bebem diretamente a água poluída do rio.
Colapso dos serviços de saúde
Os médicos e organizações humanitárias afirmam que o sistema de saúde do país está à beira do colapso.

Apenas 16 por cento dos hospitais da capital sudanesa estão a funcionar, segundo a Organização Mundial de Saúde, com a maioria fechada após ataques diretos durante os combates.

Operando com uma equipa mínima sem anestesiologistas, a médica Houida El-Hassan explica: “Nós simplesmente arriscamos tudo quando saímos para socorrer as pessoas. Muitas estão a morrer a cada dia que passa e precisam da nossa ajuda”. “Estamos extremamente cansados, esgotados, não sabemos se podemos continuar assim”, alerta.

O hospital reabriu inicialmente apenas para emergências, tratando ferimentos de balas e estilhaços, mas depois passou a receber parturientes, casos de insuficiência renal e diabetes.

“Às vezes penso que preferia morrer num bombardeamento a deixar de ajudar um paciente que morre por falta de acesso a medicamentos”, desabafa El-Hassan.

“Não se pode andar dois minutos na rua sem se ser assaltado. As saídas tornaram-se impossíveis nesta área e não temos combustível para abastecer os nossos carros. O bom é que as pessoas que moram perto do hospital deixam-nos usá-los” relata a médica.

O sindicato dos médicos do Sudão deixa claro que a capacidade do sistema de saúde para lidar com a crise e responder às baixas em massa está “a deteriorar-se a cada hora que passa”.

Afirma que 70 por cento dos hospitais “dentro e ao redor das áreas usadas como campos de batalha estão fora de serviço”. Os poucos operacionais “estão ameaçados de fecho total, devido à falta de provisões, falta de pessoal de saúde e falta de água e eletricidade”, alerta.

“O sistema de saúde está à beira do colapso, já que muitos hospitais e outros estabelecimentos de saúde encerraram as portas, porque simplesmente não conseguem funcionar”, disse Alyona Synenko, porta-voz do Comité Internacional da Cruz Vermelha em África.
Êxodo
Muitos serviços essenciais e de emergência foram transferidos para a cidade de Port Sudan, a 800 quilómetros de distância, na costa do Mar Vermelho, que se tornou a capital administrativa temporária do país ao abrigar milhares de pessoas que fugiram dos combates em Cartum, Omdurman e partes de Darfur.

“A escala e a velocidade do que está a acontecer não têm precedentes no Sudão”, disse Stéphane Dujarric, porta-voz do secretário-geral da ONU.

"A situação humanitária está chegando ao ponto de ruptura”, acrescenta a agência.

O cessar-fogo entre as Forças de Apoio Rápido (RSF) paramilitares Forças Armadas Sudanesas (SAF) tem sido muito pouco respeitado, cortando o abastecimento à capital.

Na segunda-feira, houve relatos de novas explosões e confrontos nos distritos de Bahri e Kafouri, no norte de Cartum. No sul da cidade, moradores relataram que as RSF paramilitares dispararam mísseis antiaéreos em resposta aos bombardeamentos das SAF.

De acordo com as Nações Unidas, a violência dos confrontos levar 800 mil pessoas a fugir do país. Cerca de 73 mil já deixaram o Sudão, declara Raouf Mazou, alto funcionário da ONU. O Egito relatou que 40.000 sudaneses já cruzaram a sua fronteira.

O conflito entra na terceira semana e conta com mais de 500 de mortos e 4,5 mil feridos.
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