Guiné-Bissau. Crise institucional agrava-se entre acusações de "golpe de estado"

por RTP
Umaro Sissoco Embaló, ao discursar a pós a sua tomada de posse simbólica, dia 27 de fevereiro de 2020 António Amaral - Lusa

Sexta-feira ficou marcada por horas de tensão em Bissau, com movimentações militares e a eleição de um segundo Presidente, menos de 24 horas depois de Umaro Sissoco Embaló, dado como vencedor das presidenciais, ter assumido simbolicamente o cargo.

As emissões da rádio e da televisão públicas foram suspensas, após a intervenção das forças militares, que retiraram os funcionários presentes nos edifícios.A embaixada portuguesa aconselhou os seus cidadãos a restringirem deslocações na capital enquanto a situação política não for esclarecida.

A confusão institucional começou quinta-feira à noite, com a indigitação simbólica de Embaló como Presidente, numa cerimónia realizada num hotel da capital guineense na ausência do Governo, partidos da maioria parlamentar e principais parceiros internacionais do país.

O Governo qualificou-a como "golpe de Estado".

Embaló foi indigitado por Nuno Nabian enquanto o líder da Assembleia do Povo Unido - Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB), que fazia parte da coligação do Governo, mas que apoiou Sissoco Embaló na segunda volta das presidenciais.

Nabian é também primeiro vice-presidente da Assembleia Nacional Popular e foi nessa qualidade que indigitou simbolicamente Sissoco Embaló.

A cerimónia terminou com a assinatura do termo de passagem de poderes entre o Presidente cessante, José Mário Vaz, e Umaro Sissoco Embaló.
"Apelo à sublevação"
O Governo da Guiné-Bissau considerou o ato como um "golpe de Estado" e "uma atitude de guerra" e acusou o Presidente cessante de se auto-destituir e as Forças Armadas de "cumplicidade".

O primeiro-ministro Aristides Gomes convocou o corpo diplomático presente no país e aconselhou-o a não comparecer da tomada de posse.

Ao início da noite desta sexta-feira, a confusão agravou-se, quando Sissoco Embaló demitiu o primeiro-ministro, Aristides Gomes e nomeou Nuno Nabian para o substituir, num decreto presidencial divulgado à imprensa.

O texto de Embaló referia que a demissão se justificava pela "atuação grave e inapropriada" do primeiro ministro, ao ter convocado o corpo diplomático e ter apelado à guerra e sublevação, em caso da investidura do novo chefe de Estado.

No documento explicava-se também que a demissão do primeiro-ministro teve em conta a "crise artificial pós-eleitoral criada pelo partido PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) e o seu candidato às eleições presidenciais, que põe em causa o normal funcionamento das instituições da República".

Uma situação de crise, acrescenta o decreto, "consubstanciada nas declarações públicas de desacato e não reconhecimento da legitimidade e autoridade" do chefe de Estado "eleito democraticamente, por sufrágio livre, universal, secreto, considerado pelo conjunto de observadores internacionais livre, justo e transparente e confirmado quatro vezes pela Comissão Nacional de Eleições".

Para Aristides Gomes, o decreto da sua demissão configura ele mesmo um "golpe de Estado".
Mais um Presidente
O Parlamento nomeou entretanto Cipriano Cassamá, presidente do Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, como Presidente interino, numa sessão a que assistiram 52 deputados.

A posse foi conferida pela deputada Dan Ialá, primeira secretária da mesa do Parlamento, invocando o n.º 2 do artigo 71 da Constituição guineense, que prevê que, havendo vacatura na chefia do Estado, o cargo é ocupado pelo presidente da Assembleia Nacional Popular, segunda figura do Estado.

Para os deputados, a situação verifica-se uma vez que, tendo-se afastado o Presidente cessante, José Mário Vaz, o cargo ficou vago, já que não reconhecem Sissoco Embaló como novo Presidente.

Armando Mango, ministro da Presidência do Conselho de Ministros e Assuntos Parlamentares do Governo de Aristides Gomes, assumiu entretanto o cargo de primeiro vice-presidente do parlamento da Guiné-Bissau, antes de o líder do parlamento ser nomeado Presidente da República interino.

"Sendo eu um deputado e tendo pedido a demissão do cargo de ministro da Presidência do Conselho de Ministros reassumo o lugar de deputado e os deputados indigitaram-me primeiro vice-presidente da assembleia", afirmou Armando Mango, eleito deputado pela Assembleia do Povo Unido - Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB).

Armando Mango vai assumir interinamente a presidência do Parlamento.
Simões Pereira indignado

O candidato do PAIGC às eleições presidenciais da Guiné-Bissau, Domingos Simões Pereira, considerou hoje que a situação que o país atravessa "não dignifica o processo democrático" e que o povo guineense não merecia mais esta crise política.

Em declarações à agência Lusa por telefone, o candidato e líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) reagia à mais recente crise política na Guiné-Bissau, com a tomada de posse simbólica do seu adversário nas eleições, Umaro Sissoco Embaló, como Presidente na quinta-feira e que hoje já demitiu o primeiro-ministro.

"Lamento tudo o que está a acontecer e espero que sejamos capazes de encontrar as soluções que se impõem" porque a atual situação "não dignifica o processo democrático" na Guiné-Bissau, disse.
Santos Silva não esclarece

O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal apelou a todos os portugueses residentes na Guiné-Bissau para restringirem "a circulação ao estritamente necessário", depois de movimentações militares na sequência da instabilidade política instalada.


O chefe da diplomacia portuguesa reiterou a necessidade de evitar "qualquer confrontação e quaisquer atos de violência" na Guiné-Bissau.

O governante acrescentou que "todos os interessados" deveriam pautar "o seu comportamento pelo respeito pela lei e no princípio de comportamentos pacíficos" para resolver "litígios e conflitos".


Questionado também sobre se Portugal reconhece Umaro Sissoco Embaló como Presidente da República guineense, Santos Silva referiu que ainda não se queria pronunciar "sobre esse ponto".
Segundo dados do Governo português vivem na Guiné-Bissau cerca de 2.500 portugueses.
A posição do chefe da diplomacia de Portugal vai ao encontro do apelo feito pela embaixada de Portugal em Bissau, que aconselhou hoje os portugueses que vivem na Guiné-Bissau a restringirem a circulação devido a "um eventual aumento da tensão, com possíveis reflexos ao nível da segurança".

Na mensagem, a embaixada acrescenta que "continuará a acompanhar a situação", referindo que em caso de urgência os portugueses poderão contactar o Gabinete de Emergência Consular através dos números 961 706 472 e 217 929 714 e dos endereços de e-mail gec@mne.pt e bissau@mne.pt.

C/Lusa
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