Herói contra o apartheid elogia "inspiradora" Revolução dos Cravos

por Lusa

Lisboa, 18 fev (Lusa) - Uma das memórias da passagem por Portugal que o ativista dos direitos humanos Albie Sachs guarda é o 25 de Abril de 1974, uma inspiração para a sua luta contra o `apartheid` na África do Sul.

O antigo juiz do Tribunal Constitucional de África do Sul, considerado um dos pais da Constituição sul-africana, lembrou, em entrevista à agência Lusa, "o ambiente muito agradável" em Lisboa por aqueles dias da Revolução dos Cravos.

"As pessoas estavam a dançar e a cantar na rua `Grândola, Vila Morena`", recordou Albie Sachs, que, anos mais tarde, voltou a Portugal, sem parte do braço direito e sem visão no olho esquerdo, para prosseguir a recuperação do atentado que sofreu em abril de 1988, em Maputo, Moçambique.

No retorno a Lisboa, para um restabelecimento "organizado até ao pormenor mais pequeno", o sul-africano não voltou a experimentar as vivências de abril de 1974.

"Voltei após atentado, foi uma recuperação do corpo, de espírito e alma. Foi uma recuperação magnífica. Obrigado, Portugal! Mas o espírito de `Grândola, Vila Morena`, da nossa luta, de amizade, de solidariedade foi muito forte" aquando da Revolução dos Cravos.

Recuperando a memória de quando foi perseguido, torturado, preso e isolado pelo regime sul-africano do `apartheid`, Albie Sachs, considerado terrorista pelo Governo da África do Sul, declarou que, como "combatente da liberdade", o 25 de Abril de 1974 o "inspirou".

A quada do regime do `apartheid` - sistema que perdurou de 1948 a 1994 - permitiu o regresso de Albie Sachs à terra natal, depois de um exílio prolongado - 11 anos em Londres e 12 em Maputo.

Durante esse tempo, que recordou por ter sido "um período ", manteve-se sempre ativo na defesa dos direitos humanos e no trabalho no Congresso Nacional Sul-africano (ANC), tendo trabalhado com Oliver Tambo, presidente daquela força política no exílio.

Nelson Mandela convidou-o para o Tribunal Constitucional da África do Sul em 1994 e Albie Sachs passou de terrorista a legislador, o que, disse, "não foi nada difícil".

Até 1994, "a lei era racista, violenta para a população e naturalmente estava contra isso", lembrando que a elaboração da Constituição, na qual interveio, permitiu "fazer uma lei a favor da população, contra um poder totalitário do Estado, a favor da liberdade de expressão, da democracia e da justiça social".

"Foi uma decisão muito alegre e senti-me muito confortável com a transição" do regime do `apartheid` para "uma democracia", com um texto constitucional imbuído "do espírito da Constituição portuguesa".

Albie Sachs referiu que, na altura da redação da Constituição da África do Sul, se consultou o texto fundamental da República Portuguesa, que, "depois da ditadura", tinha "um aspeto social muito importante, não só para os ricos e intelectuais, mas para todos".

"Olhámos para a Constituição de Portugal e esse foi o elemento da Constituição portuguesa que aproveitámos. As palavras não, mas o espírito", realçando o caráter "abrangente".

Para Albie Sachs, a Constituição portuguesa "é para toda a gente, com linguagem aberta, com valores muito bem registados, os valores de solidariedade e dignidade humana, muita mais justa contra a discriminação e o `apartheid` e a favor da igualdade".

A Constituição da África do Sul é uma das recordações que Albie Sachs contou o filho, Oliver, de 11 anos, que "desde os quatro começou a fazer perguntas sobre a vida do pai".

Fruto do casamento de Albie em segundas núpcias com Vanessa, Oliver, cujo nome foi-lhe atribuído em homenagem a Oliver Tambo, "é um rapaz de grande sensibilidade".

"Ele fez perguntas sobre a minha vida", afirmou Albie Sachs, que, um dia, teve de responder à questão por que não tem parte do braço direito e visão no olho esquerdo.

"Fui com ele a Maputo, ao sítio do atentado, para contar ao meu filho o que tinha acontecido. Fizemos num filme. Falei sobre o momento. Foi muito importante para o nosso relacionamento ir àquele sítio em Maputo", disse

Relatos ao filho sobre uma vida de luta constante contra as injustiças do `apartheid`, pela igualdade, é bem mais complicado.

"Não falo muito diretamente sobre a luta. A única parte em que eu tenho dificuldade em explicar é o racismo, para lhe dizer que a sua mãe e eu não podíamos ser casados naquela altura, teria sido contra a lei. Não quero falar-lhe sobre aquela vida racista. Ele pode aprender por ele próprio, foi duro demais para mim para lhe contar sobre o sistema do apartheid`", concluiu.

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