Historiadora checa comenta eleições em entrevista à RTP

por RTP
Andrej Babiš, o vencedor das eleições checas David W Cerny, Reuters

Andrej Babiš, o vencedor das eleições de domingo, é frequentemente descrito como o "Trump checo". Mas Veronika Pehe prevê um certo continuismo político, acobertado com uma radicalização verbal.

Veronika Pehe, especialista em História Cultural Contemporânea da Europa Central, é actualmente investigadora do Instituto de História Contemporânea da Academia de Ciências Checa, e também editora do diário online A2larm.cz. Na sequência das eleições de domingo, 22 de outubro, acedeu a ser entrevistada para o online da RTP.

Pergunta: O que se passou nas eleições checas?

Resposta: As notícias não são boas. Nas eleições houve uma subida da direita e/ou partidos antisistema e uma derrota esmagadora da esquerda.

Andrej Babiš, o milionário pragmático e oportunista, obteve um resultado de quase 30% - mais do dobro de qualquer outro partido - apesar de estar indiciado num processo de corrupção.

O partido que antes estava coligado com ele, os social-democratas, que antes tinham sido o partido checo mais forte, caíram para a sexta posição, num resultado traumatizante.

O Partido Verde, em que os progressistas das grandes cidades tinham depositado esperanças, averbou um fracasso espectacular, não atingindo sequer 1,5% e demonstrando assim que um programa ambientalista, socialmente liberal e economicamente progressivo, só consegue captar a simpatia de uma bolha social muito limitada.

A esquerda tem certamente um grande exame instrospectivo a fazer. O resultado de Babiš não pode ser atribuído ao facto de ele ter conseguido actuar eficazmente, ao mesmo tempo como parceiro de coligação e como oposição crítica aos social-democratas do Governo anterior.

Graças à sua política muito eficaz de relações públicas, ele apropriou-se dos sucessos do Governo (mesmo quando esses sucessos se deviam aos social-democratas, que conseguiram promover algumas medidas sociais muito necessárias, tais como o aumento do salário mínimo); e ao mesmo tempo atirou para o seu parceiro de coligação a culpa de todos os fracassos. Por outro lado, ele explorou eficazmente a actual apetência por uma retórica anti-sistema: ele diz que não é um político, mas simplesmente um gestor que trata de resolver os problemas.

A prova de que esta posição casa com o espírito da época encontra-se no êxito do Partido Pirata, que se estreia agora no parlamento com uma votação razoável, de mais de 10% - também eles negam "fazer política", e sim "controlar" a política e oferecer soluções tecnológicas inteligentes para fazerem as coisas funcionar.

P.: Como foi possível que os partidos mais influentes na história checa mais recente praticamente tenham desaparecido? Pode considerar-se que há aqui uma viragem histórica na República Checa?


R.: Os partidos tradicionais saíram-se bastante mal, com os social-democratas em especial a caírem para uma votação de um só dígito. No entanto, também temos de ter presente que todos os partidos checos tradicionais no fim de contas conseguiram entrar no parlamento.

Não me refiro apenas aos thatcheristas do ODS (Democratas-Cívicos), que arquitectaram a transformação económica dos anos 1990; mas também aos centristas Democratas-Cristãos, e também aos Comunistas, que se têm mantido como um factor política constante na vida política checa desde 1989.

Seria, por isso, demasiado apressado  sugerir que a política partidária tradicional está completamente esgotada. Mas, como disse antes, aqueles partidos que não se apresentaram a si próprios como "políticos" saíram-se melhor e isto constitui na verdade uma viragem retórica importante.

Dir-se-ia que os partidos tradicionais falharam em parte por se terem colado ao discurso dos nacionalistas populistas - em especial os social-democratas piscaram o olho ao sentimento nacionalista anti-europeu, em vez de se concentrarem num programa social forte, e traíram assim os seus princípios de esquerda, o que lhes fez perder votantes.

P.: Que relação existe entre estes resultados eleitorais e os de votações recentes, como a do Brexit, a eleição de Trump e os êxitos eleitorais da Frente Nacional em França e da AfD na Alemanha?


Babiš tem sido frequentemente descrito como o Trump checo e não há dúvida de que ele tem muito pouco respeito pelos procedimentos democráticos, e que isso não augura nada de bom. Ele procura centralizar o poder tanto quanto puder e controlar actividades essenciais que irão beneficiar os seus próprios negócios. E ele sabe que essa táctica resulta: durante o tempo em que foi ministro das Finanças no Governo anterior, o seu património duplicou.

No entanto, eu não prevejo gestos radicais da parte dele, como do presidente americano ou dos seus homólogos polaco e húngaro, pela simples razão de que ele é um bem sucedido empresário europeu, que precisa da União Europeia para os seus negócios. Assim, e apesar da sua retórica anti-europeia, seria uma loucura da parte dele agir em conformidade e isolar o país, numa viragem nacionalista.

Mais preocupante é a subida da extrema direita nacionalista e racista Tomio Okamura, que ficou em quarto lugar. Ela conseguiu canalizar a ira de muitos votantes desencantados, devido a uma esquerda fraca, que nos últimos anos falhou sucessivamente em responder a questões sociais urgentes, tal como a da habitação.

P.: Conseguirá Andrej Babiš constituir governo?

R.: Praticamente todos os partidos manifestaram relutância em trabalhar com Babiš, incluindo o ODS, que é o único partido com quem Babiš poderia constitur uma coligação a dois.

Só o Okamura parece ansioso por entrar no Governo - mas por outro lado Babiš demarcou-se dos extremistas. As conversações vão prosseguir ao longo da próxima semana, mas parece provável o cenário de um governo minoritário em que Babiš negoceie o apoio caso a caso. O homem de negócios milionário já provou várias vezes que sabe oferecer contrapartidas atraentes.

P.: Que tipo de relação terá a República Checa com a União Europeia depois desta eleição?

R.: Não receio particularmente que haja uma mudança radical na política relativamente à UE. Isso poderia acontecer se Babiš se decidisse a trabalhar com o radicalmente eurocéptico Okamura, que insiste em promover um referendo sobre a permanência na UE.

Babiš, é claro, é altamente pragmático, mas de momento ele parece ter mais a perder do que a ganhar com uma aliança assim. Nenhum Governo checo foi particularmente favorável ao euro. Prevejo portanto que assistamos mais à continuação da típica política de meias tintas na relação checa com a UE (aceitar fundos estrutur, mas tentar regatear até ao limite as quotas de refugiados, por exemplo), tal como temos visto até agora.
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