H&M investiga denúncias de assédio sexual e assassinato em fábrica na Índia

por Inês Moreira Santos - RTP
Mike Segar - Reuters

Depois do assassinato de uma funcionária de uma fábrica indiana que produz para a H&M, em janeiro, começaram a surgir relatos de assédio sexual e intimidação nesse espaço fabril. Esta terça-feira, a marca de roupa informou que iniciou uma investigação à morte da jovem e às denúncias dos trabalhadores da empresa fornecedora em Tamil Nadu, na Índia.

Jeyasre Kathiravel tinha 20 anos e trabalhava na fábrica Natchi Apparels em Kaithian Kottai, Tamil Nadu, que produz para a marca H&M. Depois de ter sido encontrada morta perto de casa, a 5 de janeiro, o seu supervisor foi considerado suspeito de a ter assassinado devido às denúncias da família da vítima por assédio sexual e intimidação nos últimos meses.

De acordo com os relatórios policiais, o homem responsável pela supervisão do trabalho na Natchi Apparels terá confessado, sendo acusado de rapto e homicídio. A família de Jeyasre Kathiravel afirmou ainda que a jovem tinha sido também violada e aguarda, neste momento, o resultado das provas periciais, adianta o Guardian.

"A nossa investigação revelou que os dois namoravam e o motivo do assassinato terá sido uma questão pessoal que surgiu entre os dois", disse um polícia à Reuters.

Segundo as autoridades, não houve nenhuma queixa por assédio sexual por parte de funcionárias da fábrica de roupa ou do próprio sindicato, mas um grupo regional de direitos humanos afirma que vários trabalhadores relataram estes incidentes.

"A mãe da rapariga e os colegas de trabalho disseram que ela lhes fez confidências sobre o assédio que sofria", afirmou Nandita Shivakumar, coordenadora indiana da Asia Floor Wage Alliance que trabalha pelos direitos dos trabalhadores do setor de vestuário na região.

"Pelo menos 25 outras trabalhadoras com quem falamos também nos contaram sobre o assédio que enfrentaram na fábrica e achamos que nem a marca nem o fabricante conseguiram criar um ambiente favorável para as trabalhadoras reclamarem", acrescentou.

Entretanto, dezenas de trabalhadoras da fábrica no Estado indiano de Tamil Nadu, começaram a relatar casos de assédio, desde que o corpo da jovem foi encontrado, segundo um grupo sindical que defende os direitos dos trabalhadores. Por isso, a H&M prometeu, esta terça-feira, uma "investigação independente" a estas denúncias.

"Qualquer relacionamento futuro com este fornecedor dependerá inteiramente do resultado desta investigação", esclareceu a empresa de moda num comunicado, acrescentando que se mantinha em contato com a fábrica têxtil e não tolerava assédio de qualquer tipo.
Violência de género
Ainda segundo o jornal britânico, tanto a família como um sindicato local que representa as trabalhadoras da Natchi Apparels afirmaram que Kathiravel tentou denunciar o assédio e a intimidação de que estava a ser vitima no trabalho, mas que as autoridades nada fizeram. As mesmas fontes relatam também que a violência de género nesta fábrica é generalizada.

"A família dela e os colegas de trabalho contaram-nos que Jeyasre estava a ser assediada no trabalho, mas nada foi feito", explicou Thivya Rakini, presidente estadual do Sindicato Têxtil e Comum de Tamil Nadu (TTCU), que representa as mulheres que trabalham na Natchi Apparels.

"Muitas trabalhadoras com quem temos falado dizem que estão a enfrentar os mesmos problemas, mas não sabem como relatar queixas contra os supervisores ou dizem ter medo de sofrer retaliações se falarem".

Esta fábrica indiana é propriedade da Eastman Exports, a quarta maior empresa de exportação de vestuário da Índia, e uma das grandes fornecedoras da H&M e de outras marcas ocidentais.

Kathiravel trabalhava na empresa têxtil há mais de dois anos para conseguir entrar e estudar no Ensino Superior.

"Ela foi a primeira da nossa família a ter a oportunidade de viver fora das fábricas de roupas", disse Muthulakshmi Kathiravel, a mãe da vítima. "A minha filha contou-me que estava a ser torturada no trabalho. Não quero que as filhas de outras pessoas sofram o mesmo destino".

A H&M, contudo, garante que tem "tolerância zero" para a violência de género nas suas cadeias de abastecimento.

Mas os grupos internacionais de direitos dos trabalhadores, como Asia Floor Wage Alliance (AFWA) e Global Labor Justice-International Labor Rights Forum (GLJ-ILRF), consideram que a H&M aparentemente falha em vigiar e assegurar que os seus códigos de conduta não são violdados.

"Acreditamos que o assédio sexual contínuo que nos foi relatado, seguido pela violação e assassinato de Jeyasre Kathiravel, é uma responsabilidade direta da Eastman Exports e da falha da H&M em responder às condições extremas e generalizadas de violência de género e a violações da liberdade de associação enfrentadas pelos trabalhadores da Natchi Apparel", disse Anannya Bhattacharjee, coordenadora internacional da AFWA.

Os sindicatos também acusam a multinacional de moda de não intervir adequadamente para impedir a alegada intimidação da família de Kathiravel pelos gerentes da Eastman Exports nas semanas a seguir à sua morte.

A família afirmou ao Guardian que tem sido alvo de uma pressão crescente para aceitar uma compensação financeira e assinar documentos que isentem a fábrica de qualquer responsabilidade pela morte de Kathiravel. Contudo, não há nada que indique se a H&M estava a par do sucedido ou que o consentisse.

Numa nota à comunicação social, a Eastman Exports justificou que se dirigiu à família com intenção de dar apoio financeiro à mãe da vítima "neste momento difícil".

"Entendemos que essa divulgação pode ter criado a impressão de estarmos a pressionar ou a tentar influenciar a família da funcionária que faleceu"
, acrescenta a nota.

A Eastman Exports referiu ainda, à semelhança da H&M, ter tolerância zero para a violência de género e que havia investigações de denúncias internas a decorrer nas suas fábricas.

Segundo um relatório policial, a fábrica não recebeu qualquer queixa de assédio por parte de Kathiravel. Além disso, uma investigação de uma ONG local concluiu que Kathiravel e o homem acusado pelo seu homicidio estavam "profundamente apaixonados" e que a família não responsabilizava a fábrica pela sua morte.
Pressão de grandes marcas aumenta violência contra trabalhadoras
Na opinião de muitos grupos de defesa dos direitos dos trabalhadores, a H&M deve usar o poder e a influência que tem como comprador estrangeiro para garantir que qualquer violência de género é erradicada das fábricas da Eastman Exports e de todas as cadeias de abastecimento.

"Marcas de moda [como a H&M] que têm contrato com a Eastman Exports anunciam códigos de conduta e programas de sustentabilidade. Ainda assim, no fundo das suas cadeias de abastecimento vê-se um padrão de mulheres trabalhadoras assediadas", afirmou Jennifer Rosenbaum, diretora executiva da GLJ-ILRF.

Um relatório da GLJ-ILRF de 2018 descobriu vários casos de violência de género nas cadeias de abastecimento da H&M, mas Rosenbaum lamenta que as descobertas não tenham resultado em nenhuma resposta significativa por parte da marca.

Não é a primeira vez que esta indústria de vestuário da Índia, que emprega pelo menos 12 milhões de pessoas, enfrenta acusações por abusos de direitos dos trabalhadores e casos de assédio sexual que afetam, principalmente, as funcionárias do sexo feminino.

Para os defensores dos direitos dos trabalhadores a pressão crescente das grandes marcas sobre os fornecedores para entregar roupas e produtos mais rápido e barato continua a alimentar a exploração dos funcionários - desde a falta de intervalos para comer ou fazer uma pausa até ao abuso verbal e sexual.

Os sindicatos e estes grupos de defesa de direitos apontam ainda que uma lei de 2013 para combater casos de assédio no trabalho tem sido mal implementada, ao exigir que os empregadores com pelo menos dez trabalhadores criem comissões lideradas por mulheres com o poder de multar ou despedir os culpados de assédio.

"Há medo de retaliação na maioria dos casos e em alguns há falta de consciência de como usar essa lei", explicou Shivakumar.

"Houve reclamações verbais feitas aos supervisores nesta fábrica que não foram levadas a sério ou encaminhadas à comissão de reclamações internas".

Em comunicado, a H&M enviou as condolências à família e disse que "os sindicatos envolvidos pediram explicitamente para não encerrarmos a relação comercial com o fornecedor em questão".

"Pelo contrário, vamos trabalhar ativamente para melhorar a segurança no trabalho. Estamos, portanto, em contacto próximo com o fornecedor e definimos algumas ações imediatas e urgentes que esperamos que eles cumpram, a fim de demonstrar como podem garantir um local de trabalho livre de assédio".
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