HRW pede a parlamentares franceses que aprovem devolução de bens confiscados

por Lusa

A organização Human Rigths Watch (HRW) defendeu hoje a necessidade de o parlamento francês aprovar o diploma que prevê a devolução às populações de bens confiscados a dirigentes e funcionários estrangeiros, cuja votação está prevista para terça-feira.

"Os tribunais franceses estão na vanguarda da responsabilização de dirigentes e funcionários estrangeiros pelo saque de fundos públicos. Os membros do parlamento têm agora a oportunidade de criar uma norma de ouro na forma como os governos podem fazer justiça às vítimas de corrupção", disse Sarah Saadoun, investigadora da Human Rights Watch.

A 19 de fevereiro, a Assembleia Nacional francesa votou, por unanimidade, a inclusão no projeto de Lei de Programação para o Desenvolvimento Solidário e a Luta contra as Desigualdades Globais de uma emenda que prevê que as receitas da venda de bens confiscados a dirigentes e funcionários públicos estrangeiros condenados por desvio de fundos, branqueamento de capitais ou crimes financeiros relacionados, sejam devolvidas "o mais próximo possível da população do Estado estrangeiro em causa".

A emenda consagra, pela primeira vez, o princípio da restituição dos "ganhos ilícitos" à população dos países espoliados, estabelecendo um novo programa orçamental, alojado no âmbito do Gabinete de Ajuda ao Desenvolvimento, que desembolsaria os fundos através de organizações não-governamentais ou da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD).

O parlamento exerceria um papel de supervisão com o contributo de organizações não-governamentais locais e internacionais.

De acordo com a Human Rights Watch, este sistema representaria uma "grande melhoria" em relação a uma proposta anterior, que atribuía à agência de desenvolvimento o controlo total sobre os fundos.

"Contudo, dado o elevado risco de tais fundos se perderem novamente devido à corrupção e a importância de proteger o princípio de que o dinheiro não pertence ao Estado francês diploma] deveria ser melhorado para assegurar total transparência e responsabilidade", defende a organização de defesa de direitos humanos. Para a HRW, a agência de desenvolvimento "deveria manter os fundos totalmente separados do seu orçamento geral" e a "sociedade civil do país beneficiário deveria também ter um papel na tomada de decisões sobre a forma como os fundos são utilizados".

"Deve ficar claro que o papel do governo francês é o de um administrador para devolver responsavelmente o dinheiro roubado ao povo a quem ele pertence por direito", disse Saadoun.

A França iniciou o processo de revisão da lei para permitir a devolução dos bens confiscados, estimados em 150 milhões de euros, ao vice-presidente da Guiné Equatorial, `Teodorin` Nguema Obiang Mangue, condenado em França por branqueamento de capitais e desvio de fundos públicos.

Em fevereiro de 2020, um tribunal de recurso confirmou a condenação e em dezembro, o Tribunal Internacional de Justiça emitiu uma decisão final rejeitando a alegação da Guiné Equatorial de que o bem mais valioso implicado pelo caso, uma mansão no valor de 110 milhões de euros, deveria ser protegido por imunidade diplomática.

Nguema recorreu do caso para o Tribunal de Cassação da França, o mais alto tribunal judicial, que deverá apreciar o caso nos próximos meses.

Se o Governo francês ainda não tiver aprovado a lei quando o tribunal emitir a sua decisão e se a condenação for confirmada, o dinheiro será absorvido pelo Orçamento do Estado francês.

O processo contra `Teodorin` Nguema, iniciado pela organização Transparência Internacional França e pela Sherpa, em 2008, abriu um novo caminho no litígio francês anticorrupção, permitindo às organizações não-governamentais iniciar processos judiciais.

Desde então, as organizações iniciaram outros processos contra dirigentes e funcionários estrangeiros por branqueamento de capitais que estão nos tribunais franceses.

A devolução de bens roubados é um requisito ao abrigo da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, que França ratificou em 2003.

Em 2017, o Global Forum for Asset Recovery, uma iniciativa intergovernamental organizada pelo Banco Mundial, concordou com um conjunto de princípios para assegurar a devolução transparente e responsável dos ativos recuperados, incluindo uma disposição segundo a qual "os ativos roubados recuperados de funcionários corruptos devem beneficiar a população das nações prejudicadas pela conduta corrupta subjacente".

Recentemente, as organizações da sociedade civil desenvolveram um conjunto de princípios para a devolução responsável de bens, exigindo transparência, responsabilidade e participação pública em todas as fases do processo para evitar que sejam novamente desviados.

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