Human Rights Watch. Relatório assinala resistência a autocratas

por Carlos Santos Neves - RTP
Um exemplo de uma flagrante violação de Direitos Humanos citado no relatório é a separação de famílias na fronteira entre Estados Unidos e México Mohammed Salem - Reuters

A “resistência” a regimes autoritários “está a ganhar força”, estima a Human Rights Watch no último Relatório Mundial, conhecido esta quinta-feira. Kenneth Roth, o diretor executivo da organização de defesa dos Direitos Humanos, atribui tal tendência aos “mesmos populistas que espalham ódio e intolerância”.

Na edição de 2019 do Relatório Mundial, apresentada em Berlim, a Human Rights Watch refere “uma crescente tendência global” para “confrontar os abusos de autocratas”, algo que a organização constata no seio da União Europeia ou nos fóruns das Nações Unidas. Esta resistência mobiliza “alianças de Estados, frequentemente com o apoio de grupos da sociedade civil”.
“Ditadores enfrentam cada vez mais resistência” é o título da edição 29 do relatório da Human Rights Watch.

Debaixo da lupa da HRW esteve uma centena de países. O documento de 674 páginas principia com o enumerar de situações que demonstram, segundo a organização não-governamental, “a crescente oposição” às “tendências autoritárias”.

“Essa resistência pode ser vista em esforços para resistir a ataques à democracia na Europa, prevenir massacres na Síria, trazer justiça a perpetradores da limpeza étnica contra muçulmanos rohingya em Myanmar, impedir o bombardeamento e bloqueio liderado pelos sauditas contra civis iemenitas, defender a duradoura proibição de armas químicas, convencer o presidente da República Democrática do Congo Joseph Kabila a aceitar limites constitucionais aos mandatos e demandar uma investigação completa do assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi”, lê-se no portal da Human Rights Watch.

“Os mesmos populistas que espalham ódio e intolerância estimulam uma resistência que continua a vencer batalhas”, escreve o diretor executivo da organização, Kenneth Roth, para acrescentar que “os sucessos do ano passado sugerem que os abusos cometidos por regimes autocráticos estão a alimentar um poderoso contra-ataque”."Carências severas de medicamentos, material médico e alimentos deixam muitos venezuelanos incapazes de alimentar as famílias adequadamente ou ter acesso a cuidados de saúde essenciais", refere a HRW sobre o país de Nicolás Maduro.

Entrevistado pela agência Lusa, o mesmo responsável sinaliza que os movimentos de oposição a autocracias têm origens surpreendentes.

“Poderíamos pensar que a defesa dos Direitos Humanos viria de países como os Estados Unidos, Reino Unido ou França, mas, na verdade, eles têm estado ausentes. Trump está muito ocupado a acolher autocratas em vez de os combater, o Reino Unido está totalmente absorvido pelo Brexit e o Presidente francês, Macron, tem falado muito, mas feito muito pouco”, reprova Kenneth Roth.

“Em muitos casos o público liderou a resistência nas ruas”, indicam os relatores, que exemplificam: “Grandes multidões em Budapeste protestaram contra as medidas de Orban de fechar a Central European University, um bastião académico de investigação e pensamentos liberais. Dezenas de milhares de polacos ocuparam as ruas várias vezes para defender os tribunais das tentativas do partido no poder de minar a sua independência. Várias pessoas nos Estados Unidos e dezenas de empresas protestaram contra a separação forçada de crianças imigrantes dos seus pais por parte de Trump”.
“O típico autocrata atual”
Na perspetiva da HRW, “os atuais autocratas surgem de ambientes democráticos”.Sobre o Brasil, a HRW reitera que os abusos da polícia alimentaram em 2018 elevados índices de violência.

“Quando pensamos em ditaduras, pensamos em usurpação do poder, pessoas que não têm nenhuma ligação à democracia, só querem governar. O típico autocrata atual ganha o poder através das eleições, principalmente aproveitando-se de algum mal-estar ou descontentamento que é genuíno, culpabilizando uma minoria pelo problema”, sustenta a organização.

“Quando chegam ao poder tentam eliminar tudo o que os possa pôr em risco, isto é, livram-se de juízes neutros, silenciam os media, acabam ou silenciam as ONG", afirma Kenneth Roth, que aponta, a título de exemplo, o contexto brasileiro.

“Estamos todos obviamente muito preocupados com o que Bolsonaro representa, a sua retórica assusta”, admite o diretor executivo.
Dedo apontado à América
No relatório agora publicado, os Estados Unidos surgem em rota descendente no domínio dos Direitos Humanos, sobretudo por causa de uma justiça vista como racialmente discriminatória, mas também devido às políticas empreendidas pela Administração Trump ao longo de 2018: das medidas de restrição à imigração aos mandados de detenção em larga escala, a que se soma a retirada da superpotência de acordos e organizações internacionais.A Human Rights Watch considera que Angola demonstra “progressos significativos” em matéria de Direitos Humanos.


A Human Rights Watch conclui mesmo que as “disparidades raciais penetram todas as partes do sistema de justiça criminal” e que perdura a “discriminação racial no uso da força, detenções e revistas no trânsito pela polícia”.

Nos Estados Unidos, a população afroamericana representa 13 por cento do total. Nas cadeias, porém, 40 por cento dos reclusos são negros.

O Relatório Mundial refere ainda os julgamentos de menores, indicando que 32 mil entram todos os anos em prisões de adultos. Por outro lado, 1300 pessoas foram condenadas a prisão perpétua por crimes cometidos antes dos 18 anos. Sem direito a defesa, de acordo com dados da Campaign for the Fair Sentencing of Youth citados pela Human Rights Watch.
Quanto a Moçambique, a Human Rights Watch escreve que a impunidade, as detenções arbitrárias e as ameaças à liberdade de expressão foram no ano passado as principais violações de Direitos Humanos.

Como exemplos de crimes de ódio em solo norte-americano, a organização recorda o tiroteio na sinagoga de Pittsburgh, que causou as mortes de 11 pessoas, o envio de explosivos a 12 nomes do Partido Democrático e as mortes de duas pessoas afroamericanas numa mercearia em Louisville.

A organização escreve que, na América, estrangeiros, imigrante indocumentados ou refugiados sofrem violações frequentes de direitos, desde logo no acesso a cuidados de saúde. Outro exemplo de uma flagrante violação de Direitos Humanos citado no relatório é a separação de famílias na fronteira com o México.

Este Relatório Mundial não esquece os casos de alegados abusos sexuais denunciados pelo movimento #MeToo, assim como o que a organização vê como cíclicos ataques à liberdade de imprensa desferidos a partir da Casa Branca.

“Os Estados Unidos continuaram a andar para trás em Direitos Humanos, em casa e fora, durante o segundo ano da Administração do Presidente Trump”, sintetiza o documento.

c/ Lusa
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