Hungria alega indisponibilidade para deter Vladimir Putin ao abrigo do mandado do TPI

por Graça Andrade Ramos - RTP
Viktor Órban, primeiro-ministro da Hungria, em dezembro de 2022, Budapeste Reuters

O presidente russo pode entrar em território europeu, desde que seja húngaro, sem correr risco de ser preso e entregue a Haia ao abrigo do mandado de detenção emitido sexta-feira passada pelo Tribunal Penal Internacional.

A explicação oficial do Governo húngaro invoca algemas legislativas, referindo que o Estatuto de Roma, que reconhece a jurisdição do TPI, nunca foi promulgado na Hungria e seria “contrário à Constituição”, nas palavras do gabinete do primeiro-ministro.

“Podemos referenciar-nos à lei da Hungria, e com base nisso, não podemos deter o Presidente russo”, explicou Gergely Gulyas, chefe de gabinete do primeiro-ministro, Viktor Órban.

O Estatuto de Roma não está refletido no sistema legal húngaro, apesar do documento ter sido assinado por Budapeste em 1999 e ratificado dois anos depois, durante o primeiro mandato de Órban.

"Estas decisões não são as melhores, por levarem a uma escalada e não à paz", referiu o chefe de gabinete de Órban frisando que se trata da sua "opinião subjetiva".

Gergely Gulyas lembrou ainda que nem os Estados Unidos, nem a Rússia, que já rejeitou as acusações, reconhecem o TPI.
Voz dissonante
Vários países europeus, incluindo Portugal, confirmaram que deteriam Putin caso o presidente da Federação Russa entrasse nos seus territórios. Vladimir Putin seria nesse caso encaminhado para Haia, capital dos Países Baixos, e entregue ao TPI para conhecer o teor das acusações e aguardar julgamento.

A Hungria é voz discordante neste consenso alargado. Viktor Órban é desde há muito um polo de resistência a Bruxelas em diversas matérias, que já levou à suspensão do envio de fundos de coesão. É ainda considerado um aliado do Presidente russo no seio da União Europeia

No caso ucraniano, em mais uma ocasião de marchar fora do compasso da UE, Viktor Órban condenou a agressão russa, mas não o líder do Kremlin, tendo mesmo chegado a visitar a Rússia duas vezes com um intervalo de seis semanas no final de 2022.

Budapeste também não enviou quaisquer armas a Kiev e insiste em manter laços económicos e diplomáticos com Moscovo à revelia das sanções impostas por Bruxelas e pelos 27, pelo que foi severamente criticada.

A Hungria tarda ainda em ratificar o alargamento da NATO à Finlândia e à Suécia.
Isolada
Na sua mais recente dissonância com o coro europeu, a Hungria terá também bloqueado um comunicado conjunto dos Estados-membros da UE sobre o mandado de captura emitido pelo TPI contra Putin. A informação foi avançada por duas fontes à Bloomberg.

O bloqueio húngaro forçou o chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, a publicar domingo o texto apenas em nome próprio.

“A União Europeia vê a decisão do TPI como o início de um processo de responsabilização dos líderes russos pelos crimes e atrocidades que estão a ordenar, a permitir ou a cometer na Ucrânia”, referiu.

“A UE também expressa o seu apoio à investigação do procurador do TPI na Ucrânia e apela à cooperação de todos os Estados”, acrescentou o comunicado.

A oposição húngara ficou ainda mais vincada segunda-feira, quando foi o único estado-membro a não subscrever um comunicado dos ministros da Justiça da União Europeia em apoio às investigações do TPI, e deverá ser objeto de análise pelos parceiros na cimeira que decorre em Bruxelas.

Além de Vladimir Putin, o Tribunal Penal Internacional emitiu um outro mandado de detenção contra Maria Lvova-Belova, comissária russa para os Direitos das Crianças, acusada de organizar e promover a transferência forçada para a Federação Russa de menores ucranianos a partir de áreas ocupadas.

O procurador-geral responsável pelo dossier refere a existência de “centenas de crianças de orfanatos e instalações infantis” deportadas para território russo.

Os acusados correm risco de detenção se viajarem para um dos 23 países signatários do Estatuto de Roma, obrigados em teoria a executar os mandados.

O presidente do TPI, Piotr Hofmanski, reconheceu apesar disso que a execução “depende da cooperação internacional”, a qual num outro caso, o do ex-dirigente sudanês Omar al Bashir, não funcionou.
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