Impeachment. O processo que se desenha enquanto faz caminho

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Em termos jurídicos, o processo de impeachment refere-se a uma acusação ao Presidente por traição, suborno ou outro grande crime ou afronta (delito) que valha a sua remoção do cargo Jonathan Ernst - Reuters

A presidente da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi anunciou na terça-feira a abertura de uma fase de inquérito com vista à destituição do Presidente Donald Trump. Na base desta primeira fase para um impeachment, está um telefonema de Trump para o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, durante o qual lhe terá pedido para investigar Hunter Biden, filho de Joe Biden, um provável opositor na corrida de 2020 à Casa Branca.

A arrancar agora para a fase de inquérito, este será o quarto impeachment contra um Presidente norte-americano. Nos três processos anteriores, Andrew Johnson (1869) e Bill Clinton (1999) enfrentaram a destituição, mas foram posteriormente absolvidos, e Richard Nixon (1974) demitiu-se para não ser demitido.

A saída de Nixon acnteceu na sequência do escândalo Watergate, precisamente desencadeado pelo Washington Post, o jornal que avançou também agora com a informação do telefonema Trump-Zelensky.

Para já, há o anúncio da abertura de um inquérito visando o impeachment de Trump. Na verdade, como funciona esse processo de impeachment? Em português, destituição ou impugnação. Aponta a Wikipédia que “o termo inglês impeachment ('acusação', 'obstrução, impedimento', 'dano, prejuízo material', 'questionamento, desacreditamento, depreciação'), deriva do verbo to impeach, adaptado do francês empêcher, e este, do latim tardio impedicare ('capturar, caçar')”.
O que é o impeachment

Em termos jurídicos, o processo de impeachment refere-se a uma acusação ao Presidente por traição, suborno ou outro grande crime ou afronta (delito) que valha a sua remoção do cargo.

Em termos básicos, o acusador é a Câmara dos Representantes, enquanto o Senado funciona como tribunal, depois de receber as acusações. Foi o caso, por exemplo, de Bill Clinton, em que os membros da Câmara dos Representantes consideraram ter provas da sua culpabilidade, mas que seria posteriormente absolvido quando o caso chegou ao Senado.

O processo de impeachment do Presidente dos Estados Unidos não tem propriamente um caderno de encargos estabelecido a priori. Muito provavelmente devido à sua raridade, quatro casos em dois séculos e meio, trata-se de uma situação que não ocupa tanto assim o tempo dos norte-americanos. Um republicano citado pelo New York Times refere-se ao impeachment como “uma criatura em si mesma” (“Impeachment is a creature unto itself”).
O que é um alto crime

Quando se referem a “altos crimes e delitos”, os norte-americanos estão a aproveitar a herança da lei britânica comum. Considerando que a remoção de um alto funcionário do Parlamento seria em si uma ofensa, definem-se então os actos que podem merecer essa punição, sem que sejam obrigatoriamente violações da ordem “vulgar” da lei.

Quando em 1788 os defensores da Constituição procuravam congregar os Estados norte-americanos em torno do texto fundamental, Alexander Hamilton - primeiro secretário do Tesouro e fundador do primeiro banco dos Estados Unidos - descreveu os crimes que poderiam conduzir ao impeachment como “aqueles crimes que procedem da má conduta dos homens públicos ou, em outras palavras, a partir do abuso ou violação da confiança pública. São de uma natureza que pode com propriedade ser denominada política, já que têm principalmente a ver com prejuízos infligidos directamente à sociedade ela própria”.
O processo
Cada passo do processo de impeachment parece estar destinado a adaptar-se às circunstâncias das decisões do momento. O NYT lembra que nos casos de Nixon e Clinton o comité judiciário da Câmara dos Representantes levou primeiro a cabo uma investigação após o que recomendou os artigos do impeachment à câmara.

Contudo, refere o jornal, em teoria a própria Câmara dos Representantes pode estabelecer uma espécie de comissão (ou painel) para tomar em mãos estes procedimentos iniciais. Ou, ainda mais simplificado, levar a cabo uma votação para decidir quais os artigos que estariam a ser violados e a remeter ao Senado.

Na votação que precede a fase de passagem da acusação ao Senado, do total de crimes nomeados, basta que apenas um dos artigos seja votado pela maioria dos representantes para que o processo de impeachment ganhe pernas para andar e passe à fase seguinte – subir ao Senado, que funciona, como referimos, como o tribunal. Pode nessa altura dizer-se que “o Presidente foi indiciado”, apesar de o inglês permitir um mais radical “the President has been impeached”.

No Senado, cabe ao principal juiz do Supremo Tribunal norte-americano conduzir o julgamento. Uma equipa de deputados da Câmara dos Representantes desempenha o papel da acusação e o próprio Senado servirá de jurado.

Se dois terços dos senadores considerarem o presidente culpado, este é imediatamente removido do cargo e o vice-presidente torna-se o novo Presidente. Não há possibilidade de recorrer desta decisão.
Um novelo de regras
Uma das questões apontadas nesta fase volta a ser a arbitrariedade com que parece estar a ser conduzido o processo. E esta é uma crítica que pode valer para as provas a apresentar, tanto quanto ao número permitido pelo Senado, como em relação ao tempo disponibilizado para a sua apresentação e, depois, ao tempo disponibilizado à defesa para as refutar.

Numa entrevista em 2017 ao NYT, Gregory B. Craig, que fez parte da defesa de Bill Clinton no processo de 1999, referiu que “quando o Senado teve de decidir com que regras decorreria o julgamento, na verdade foi decidindo à medida que o processo avançava”.

Nesse caso, a acusação republicana teve quatro dias para apresentar o caso (a acusação), ao que se seguiram quatro dias para a equipa do presidente Clinton fazer a sua defesa. Foram depois decididos os moldes em que foram apresentados testemunhos (e testemunhas) de um lado e do outro, se presencialmente ou em videotape.

Foi, de qualquer forma, um julgamento fora dos moldes pré-definidos em que decorrem os outros julgamentos. “O júri num processo criminal não define as regras do processo e não pode decidir que provas lhe apetece ver e que provas não lhe apetece ver”, refere um republicano que fazia parte da equipa da acusação em 1999.
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