Invasão turca altera guerra na Síria

por Jorge Almeida - RTP
Umit Bektas - Reuters

O avanço das forças turcas no norte da Síria marca um ponto de viragem no conflito. O alvo anunciado é o autoproclamado Estado Islâmico mas os curdos têm tudo a perder.

Dois anos depois do ISIS ter conquistado a cidade fronteiriça de Jarabulus exibindo as cabeças dos inimigos nos postes, o terror jihadista terminou em poucas horas.

“Eles fugiram há três dias, só ficaram alguns seguidores e um casal de estrangeiros”, afirma Umm Chalid, uma viúva de Jarabulus que ficou sozinha. “Todos os habitantes saíram da cidade. Nós sabíamos que alguma coisa ia acontecer”, acrescenta.

Tanques turcos avançam no norte da Síria. Foto: Umit Bektas - Reuters

Jarabulus era um dos últimos bastiões do Daesh na região. Um importante ponto de passagem junto à fronteira com a Turquia que lhes permitia canalizar homens e material de guerra para as áreas que controlam na Síria.

Nos dias que antecederam a invasão turca, assistiu-se a uma movimentação bizarra junto da fronteira. Chegaram rebeldes de vários grupos de Idlib e Aleppo em autocarros e pick-ups para se juntarem aos militares.

Para a Turquia foi um sucesso duplo: Não só conseguiram expulsar o ISIS da região como também estancaram o avanço dos curdos que pretendem estabelecer um território contíguo que se estende por todo o norte da Síria. O Governo de Ancara quer impedir a todo o custo que tal aconteça.

A Turquia anunciou que destruiu um posto de comando de "grupos terroristas" informou a agência de notícias pró-governamental Anadolu, sem especificar se o posto era do ISIS ou das forças curdas.
Síria à la carte
No conflito sírio cada parte trava a sua própria guerra. A Turquia está principalmente empenhada na luta contra os curdos enquanto estes procuram criar o seu próprio Estado. As forças norte americanas estão apenas interessadas em aniquilar o autoproclamado Estado Islâmico e os russos querem mostrar ao mundo que continuam a ser uma superpotência.

Tanques turcos ocupam posições no norte da Síria. Foto: Umit Bektas - Reuters
As cartas estão baralhadas e os jogadores estão no terreno mas ninguém arrisca prever as próximas movimentações.
Nos últimos anos tem existido uma aliança de conveniência entre o Governo sírio de Bashar Assad e os curdos que mantêm laços estreitos com o PKK, o grupo militante curdo na Turquia considerado como uma organização terrorista.
Rio Eufrates é a linha vermelha
O grupo mais importante curdo, o YPG não participou na revolta contra Assad e foi-lhe permitido em troca expandir-se no norte da Síria. Mas o xadrez político é mais complexo. Para Recep Tayyip Erdogan, o presidente da Turquia, Bashar Assad “é um assassino que tortura o seu próprio povo mas nunca vai permitir a autonomia curda”. Ou seja, abominam-se um ao outro mas têm objetivos semelhantes.

Para piorar a situação dos curdos, as suas relações com os Estados Unidos têm-se vindo a deteriorar, apesar de serem aliados na guerra contra o ISIS. Do ponto de vista de Ankara, qualquer avanço turco para oeste do rio Eufrates significa uma linha vermelha que não pode ser ultrapassada. O nome da operação militar não foi escolhido por acaso: “O Escudo de Eufrates”.

Combatentes curdos do YPG. Foto: Rodi Said - Reuters

O avanço turco na Síria também contou com o apoio aéreo dos Estados Unidos e com forças especiais norte-americanas. Poucas horas depois da invasão, o Vice-Presidente dos EUA, Joe Biden, aterrou em Ancara numa tentativa de melhorar as relações tensas entre os dois países.

“Nós colocámos um tampão aos curdos que estavam a avançar para norte”, declarou esta semana um alto funcionário do governo dos Estados Unidos ao Wall Street Journal.
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