Investigador rejeita risco de viragem `jihadista` no conflito de Casamança

por Lusa

Lisboa, 21 fev (Lusa) - O investigador francês Vincent Foucher rejeitou hoje, em Lisboa, o risco de uma viragem `jihadista` no conflito de Casamança, mas admitiu que o movimento independentista da região, no sul do Senegal, recorre à "economia criminal" para se financiar.

"O movimento [independentista de Casamança] foi construído como plurirreligioso. Um dos principais fundadores é um padre católico, o seu principal aliado é muçulmano. É uma sociedade onde os grupos estão misturados e não consigo vislumbrar uma viragem `jihadista`", sustentou o investigador, especialista em Estudos Africanos, do Instituto Sciences Po Bordeaux, França.

Vincent Foucher falava à agência Lusa, em Lisboa, no âmbito do primeiro de dois dias de uma conferência internacional sobre o conflito armado em Casamança, iniciado em 1982 pelo Movimento das Forças Democráticas de Casamança (MFDC), que reclama a independência face ao Senegal.

A coordenadora da conferência, a investigadora Antonieta Rosa Gomes, do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (CEI-IUL), alertou, na terça-feira, em entrevista à agência Lusa para o risco deste conflito, que é considerado de baixa intensidade, mas mortífero, ter potencial para ser infiltrado por grupos terroristas como o Boko Haram.

Vincent Foucher rejeitou hoje essa ideia, mas admitiu que o movimento se financia, em certa medida, com recursos provenientes da criminalidade organizada.

"Uma fação do MFDC está envolvida no tráfico de canábis, seja protegendo-o, seja cultivando diretamente para se financiar. Há rumores sobre o envolvimento no tráfico de cocaína, mas nunca vi nada que permitisse concluir isso. Há uma parte de economia criminal, mas há também economia baseada no comércio de carvão, castanha de caju e óleo de palma. Também há contrabando, mas não estamos a falar do cartel de Medellín", disse.

Durante a conferência, o investigador, que recentemente começou a estudar o movimento `jihadista` Boko Haram, na Nigéria, traçou um paralelo entre a ação deste grupo extremista e o conflito em Casamança.

Vincent Foucher apontou a reação "muito mais violenta" e a falta de investimento na educação do estado nigeriano na zona nordeste, agora controlada pelo Boko Haram, como um dos motivos que levaram à exacerbação do conflito.

"Os laços com essa região quebraram-se e será muito difícil uma reconciliação. Em Casamança, a revolta fez-se com uma linguagem de separação, que é também muito radical, mas a escolarização na região foi massiva, as populações estão muito integradas e há uma relação produtiva com o resto da população senegalesa", considerou.

"Há rebeldes que combatem, mas também há uma parte da população de Casamança que tem uma relação aceitável e até mesmo positiva com o Estado do Senegal, que foi menos brutal na repressão do conflito" do que a Nigéria em relação ao Boko Haram, disse.

O investigador assinalou que atualmente "quase não existe violência em Casamança", adiantando que o Senegal continua a fazer investimentos na melhoria das condições de vida das populações da região.

"Mesmo se as pessoas não estão muito satisfeitas por pertencerem ao Senegal, para muita gente esta situação é muito melhor que a guerra. As pessoas procuram avançar, mesmo continuando a existir um sentido de identidade muito forte e um ressentimento em relação ao norte", disse.

Casamança, uma faixa de território no sul do Senegal próxima da fronteira norte da Guiné-Bissau, foi trocada por Portugal com a França no século XVII, passando a integrar o Senegal, após a independência da antiga colónia francesa, em 1960.

A integração é contestada pelos rebeldes - estimados entre 4.000 e 5.000 - que há 35 anos reclamam a independência de uma das regiões com mais recursos do país, considerada o "celeiro" do Senegal e com reservas de petróleo `offshore` ainda inexploradas, mas que os independentistas consideram ter sido marginalizada em matéria de desenvolvimento.

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