Um dia depois de o Presidente norte-americano ter assinado um decreto que impõe sanções contra a liderança iraniana, incluindo o próprio Líder Supremo, Teerão avisa que a via diplomática com Washington fica “permanentemente fechada” com esta decisão. O Presidente iraniano, Hassan Rouhani, acusa os Estados Unidos de “mentirem” quando dizem que pretendem negociar.
Para o Irão, as novas sanções impostas pelos Estados Unidos contra as mais altas figuras do regime representam o fim de qualquer possibilidade de negociações no futuro entre os países. Na segunda-feira, Donald Trump assinou um decreto que impõe sanções ao Líder Supremo, Ali Khamenei, ao círculo próximo do ayatollah, e ainda ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Javad Zarif.
“A imposição destas sanções inúteis contra o Líder Supremo do Irão e o chefe da diplomacia iraniana representa o encerramento permanente da via da diplomacia. A Administração Trump está desesperada e está a destruir os mecanismos internacionais estabelecidos para manter a paz mundial e a segurança”, sublinhou o porta-voz do Ministério iraniano dos Negócios Estrangeiros, Abbas Mousavi.
“Atrasado mental”
Numa declaração transmitida pela televisão iraniana já esta terça-feira, o Presidente Hassan Rouhani considerou que as sanções anunciadas “mostram o desespero de Washington” e que as medidas contra o ayatollah Ali Khamenei são “inúteis”, uma vez que o Líder Supremo “não tem ativos no estrangeiro”.
Referindo-se ao inquilino da Casa Branca como “atrasado mental”, insulto que tem sido empregue contra Donald Trump no último ano, com o adensar de tensões entre os dois países, Hassan Rouhani considera que Washington “está a mentir” quando diz que quer estabelecer um diálogo com Teerão, e que as novas sanções "ultrajantes e idiotas" comprovam isso mesmo.
"Ao mesmo tempo em que apelam às negociações, tentam sancionar o ministro dos Negócios Estrangeiros! É óbvio que estão a mentir", afirmou Rouhani.
O Presidente iraniano recorda, inclusive, que foram os Estados Unidos que abandonaram, em maio de 2018, o acordo nuclear assinado em 2015, e que agora “pedem para falar”.
Silêncio “ensurdecedor”
Já esta terça-feira, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, John Bolton, criticou o silêncio “ensurdecedor” do Irão sobre a disponibilidade norte-americana para iniciar negociações.
De visita a Jerusalém, num encontro com responsáveis israelitas e russos com foco no Irão e na Síria, o responsável da Administração Trump salienta que a equipa de Donald Trump está em viagem pelo Médio Oriente “em busca de um caminho para a paz”.
O secretário de Estado Mike Pompeo iniciou na segunda-feira uma visita aos Emirados Árabes Unidos e à Arábia Saudita, dois aliados de Washington e grandes rivais de Teerão na região.
Os norte-americanos deixaram a porta aberta para as negociações e “tudo o que o Irão tem de fazer é passar por essa porta", acrescentou Bolton.
Horas mais tarde, John Bolton voltaria a mencionar a questão do Irão, considerando que a pressão exercida sobre o país irá levar a novas negociações.
"Eles vão perceber o nosso objetivo ou então...vamos aumentar ainda mais a campanha de pressão máxima. Penso que será a combinação de sanções e de outras pressões que levará o Irão à mesa das negociações", afirmou o conselheiro.
“Comportamentos agressivos”
Depois de assinar o decreto com as novas sanções, Donald Trump explicou que a tem por objetivo desencorajar o Irão ao desenvolvimento de armas nucleares e reprovar o apoio de grupos extremistas na região, bem como punir “uma série de comportamentos agressivos por parte do regime iraniano no decurso das últimas semanas, incluindo a destruição de um drone americano”.
Foi o secretário do Tesouro, Steven Mnunchin, que anunciou que também o MNE iraniano, Javad Zarif, será sancionado ainda esta semana. Oito altos responsáveis da Guarda Revolucionária também vão ser sancionados.
As sanções agora anunciadas negam ao ayatollah Khamenei e outras figuras de topo do Irão o acesso a recursos financeiros e quaisquer ativos sob jurisdição dos Estados Unidos.
A tensão política e militar entre Washington e Teerão tem vindo a desenvolver-se de forma significativa nas últimas semanas e conheceu um novo pico na passada quinta-feira, quando o Irão ordenou o abate de um avião norte-americano não-tripulado no sul do país, afirmando que tal aconteceu em águas territoriais iranianas.
Entretanto, um conselheiro de Vladimir Putin para temas de segurança, Nikolai Patrushev, disse esta terça-feira que o drone norte-americano abatido na semana passada se encontrava no espaço aéreo iraniano. Ainda de acordo o responsável, que falava numa conferência de imprensa a partir de Jerusalém, as provas facultadas pelos Estados Unidos sobre o envolvimento do Irão nos recentes ataques contra petroleiros são "pouco profissionais" e têm "fraca qualidade".
Os EUA asseguraram que o aparelho sobrevoava águas internacionais e o Presidente norte-americano ordenou mesmo um ataque contra alvos no território iraniano, mas recuou minutos antes por considerar que não seria “uma resposta proporcional”, uma vez que poderiam morrer 150 pessoas.
Ainda antes do episódio com o drone não-tripulado, os Estados Unidos acusaram o regime iraniano de sabotar e atacar vários petroleiros junto ao Estreito de Ormuz em maio e em junho. O Irão nega essa intervenção, mas poderá ter sido a resposta militar do país à presença crescente de tropas norte-americanas na região.
No início de maio, a Administração Trump destacou mais navios e mais 1.500 soldados para o Médio Oriente com o objetivo de “passar uma mensagem” ao Irão e impedir eventuais ataques que colocassem em causa a segurança do Estreito de Ormuz. Isto porque, em várias ocasiões no passado, Teerão ameaçou visar a circulação neste local estratégico, por onde passa mais de um terço do petróleo que é consumido diariamente em todo o mundo.
Paralelamente, também em maio, os Estados Unidos tinham avançado com sanções tendo por objetivo impedir trocas comerciais e financeiras com o Irão e obstruir por completo a compra de crude iraniano a nível mundial.
Trump e Macron no Japão
De recordar que em maio de 2018, o Presidente norte-americano Donald Trump anunciou a retirada unilateral do acordo nuclear assinado em Viena, em 2015, pelo grupo 5+1 (Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia, China e a Alemanha) e a União Europeia. A decisão de rasgar o entendimento que levou mais de uma década a alcançar ao nível diplomático, firmado sob a égide de várias instituições internacionais, incluindo as Nações Unidas, teve como consequência a reposição de pesadas sanções contra Teerão que haviam sido levantadas em troca da limitação de produção nuclear e de inspeções regulares a locais sensíveis neste âmbito.
Com a decisão de abandonar o pacto, os Estados Unidos ameaçaram com sanções contra qualquer país ou empresa que continuasse a negociar com a República Islâmica. Apesar dos esforços dos países signatários que ainda não rasgaram o acordo - com destaque para a União Europeia, que tentou no verão passado implementar um mecanismo para contornar as sanções e compensar o dano provocado pela saída de Washington – as perdas económico-financeiras provocadas pelos Estados Unidos têm asfixiado a economia e a moeda iranianas.
Um ano depois da saída dos Estados Unidos, foi a vez de o Irão anunciar, em maio de 2019, a retirada parcial do acordo sobre o programa nuclear, dando um prazo de 60 dias para que os restantes países encontrem uma solução. O Presidente Hassan Rouhani ameaçou, na altura, que os limites de urânio enriquecido estabelecidos pelo pacto seriam ultrapassados no início de julho caso não houvesse alterações.
Até ao momento, a Agência Internacional de Energia Atómica, das Nações Unidas, tem verificado o cumprimento do acordo por parte de Teerão. No entanto, a Organização de Energia Atómica do Irão já anunciou que o limite estabelecido pelas potências no entendimento de 2015 deverá ser ultrapassado já a 27 de junho, o que seria a primeira violação do acordo por parte de Teerão.
Na segunda-feira, o Conselho de Segurança das Nações Unidas esteve reunido à porta fechada e a crescente tensão com o Irão foi o tema de discussão, a pedido dos Estados Unidos. Jonathan Cohen, enviado norte-americano na ONU, acusou o Irão pelos recentes ataques aos petroleiros e explicou que o objetivo das sanções é de voltar a conduzir Teerão à mesa das negociações.
Majid Takht Ravanchi, embaixador do Irão nas Nações Unidas, disse na segunda-feira que pediu para participar no encontro do Conselho de Segurança, mas a solicitação acabou por ser recusada. À porta da reunião, o diplomata alertou que qualquer negociação com Estados Unidos “é impossível perante a escalada de sanções e intimidações”.
“Para atenuar as tensões crescentes na região do Golfo, os Estados Unidos devem parar com o aventureirismo militar, assim como a guerra económica e o terrorismo contra o povo iraniano”, acrescentou ainda o embaixador.
Para esta quarta-feira está prevista uma nova reunião do Conselho de Segurança em Nova Iorque, mas desta vez o tema será a aplicação do acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano, assinado em 2015.