Irão divulga relatório preliminar sobre morte de Mahsa Amini

por Inês Moreira Santos - RTP
Reuters

Mais de duas semanas depois da morte da Mahsa Amini, continuam os protestos no Irão e em outros países contra as leis do Governo iraniano e a repressão que atinge sobretudo as mulheres. E, esta segunda-feira, foi divulgado o relatório preliminar sobre a morte da jovem curda, de 22 anos, que morreu após ser detida pela polícia da moralidade. O documento, agora público, visa "mostrar a determinação da República Islâmica do Irão em ilustrar os factos do incidente".

A Embaixada da República Islâmica do Irão em Lisboa comunicou esta segunda-feira, que o Governo iraniano se comprometeu a “investigar este incidente imediatamente e sem tolerância” e a “lidar legalmente com qualquer negligência ou possível violação relacionada com a causa” da morte de Mahsa Amini.

“Infelizmente, em relação a este incidente e antes do anúncio dos resultados finais da investigação pelas autoridades competentes, muitas controvérsias e acusações sem fundamento foram feitas pelas autoridades e pelas chamadas instituições de direitos humanos em alguns países”, lamenta a Embaixada em comunicado, acrescentando que “os meios de comunicação social, principalmente no Ocidente e na Europa, publicaram reportagens falsas e propaganda mediática sobre como refletir esta questão e protestos relacionados no Irão”.

Começando por admitir estar “consternado com a morte de Mahsa Amini”, o Alto Conselho para os Direitos Humanos da República Islâmica do Irão divulgou o relatório preliminar, “elaborado com o objetivo de mostrar a determinação” do Governo iraniano em “ilustrar os factos do incidente”, assim como “os factos existentes relativos à exploração dos eventos subsequentes” que levaram à “inquietação e insegurança da sociedade”.

Segundo o documento, baseado num relatório redigido pela polícia, “devido ao incumprimento da lei islâmica sobre o uso do hijab e à impossibilidade de corrigir o estado do vestuário diante da polícia”, a jovem iraniana foi “transferida para uma sala de conferências do Departamento de Assuntos Sociais e Educação para Mulheres na Polícia de Segurança Pública, na ausência de qualquer abuso verbal, maus-tratos físicos ou coercitivos para receber as formações necessárias”.

Mahsa Amini "perdeu subitamente a consciência" e caiu “no chão após 26 minutos”, de acordo com as conclusões divulgadas.

As medidas iniciais implementadas por um médico da Polícia de Segurança Pública e serviços de emergência, assim como o encaminhamento imediato para o hospital, não deram resultado”, acabando, posteriormente, por ser “declarada morta apesar de várias tentativas de ressuscitação cardiorrespiratória”.
Investigação em curso
De acordo com a Embaixada iraniana em Portugal, o chefe do Poder Judicial nomeou uma “comissão especial na Organização de Medicina Legal para lidar com este assunto e apresentar um relatório”.

Após o incidente, referem as autoridades no relatório, foram formadas “equipas especiais de investigação para esclarecer todos os factos do mesmo e desmascarar a verdade” – equipa constituídas por elementos do Ministério do Interior, da Procuradoria-Geral de Teerão, do Gabinete de Direitos Civis da Administração de Justiça da Província de Teerão, da Organização de Medicina Legal e ainda da Assembleia Consultiva Islâmica.

“Além disso, uma comissão médica composta pelo vice-ministro do Ministério da Saúde, o vice-presidente da Comissão de Saúde da Assembleia Consultiva Islâmica, o Chefe da Organização de Medicina Legal, o Chefe do Conselho Médico , o representante da Heart Association, o representante da Neurosurgeon Society e o representante da Society of Radiology foram indicados para investigar os prontuários médicos da pessoa e histórico terapêutico”, acrescenta ainda o relatório.

“Uma vez informado, ordenei que se investigasse o incidente e o mantivesse na ordem do dia; e garanto que exigirei respostas dos órgãos responsáveis para que as dimensões da questão sejam esclarecidas”, afirmou no relatório o presidente da República Islâmica do Irão, Ebrahim Raisi.

Para além das equipas médicas, o chefe da Magistratura “ordenou que as autoridades judiciárias realizassem investigações minuciosas e aprofundadas sobre o incidente desde o próprio local onde detida e levada na viatura”.

As autoridades iranianas esclareceram, no dito relatório, que as “alegações” que sugerem maus tratos a Amini e agressões, são “julgamentos prematuros, uma vez que as investigações e inquéritos ainda estão a decorrer”. É, segundo o mesmo, “injustificado e provocador”.

As equipas médicas concluíram, para já, que a “única documentação medica que pode ser citada, neste caso, é um caso de internamento para uma cirurgia cerebral em Teerão em 2007”, quando a jovem tinha oito anos de idade.

“Considerando que circulam nas redes sociais e na Internet informações falsas e não científicas sobre sangue a sair dos ouvidos, fraturas no craniano e danos em órgãos internos, informamos que não há sinais de lesões na cabeça e face, hematomas em redor dos olhos nem fraturas da base do crânio foram encontrados no exame físico e na autópsia realizada no falecido”, lê-se ainda.

A autópsia ao tronco e abdómen também não revelaram “vestígios de sangramento, esmagamento ou rutura de órgãos internos”.

O que é preciso é “tempo para determinar a causa da morte, o que deve ser feito após a produção dos resultados dos exames e combinados com a autópsia e histórico médico”, que revela que Mahsa Amini teve um tumor cerebral na infância e, desde essa altura, era medicada e seguida pela endocrinologia.

Em tom de conclusão, as autoridades condenam as manifestações, as acusações “falsas” e os atos violentos que se sucederam à morte de Mahsa Amini, a 16 de setembro, garantindo que não se trata de repressão à liberdade de expressão ou direitos humanos.

A revolta pública explodiu depois de Amini, uma mulher curda de 22 anos, ter morrido sob custódia a 16 de setembro, três dias depois de ser detida por supostamente violar as regras rígidas do Irão para as mulheres usarem lenços hijab e roupas modestas.

Os vídeos que mostraram carros de bombeiros, estações de autocarros e bancos queimados. O Governo afirma que os distúrbios, incluindo tiros disparados pela multidão, são da responsabilidade de grupos terroristas. Os manifestantes, por seu lado, acusam a polícia de disparar na multidão.

No Irão, recorde-se, é obrigatório as mulheres cobrirem o cabelo em público. A polícia fiscaliza ainda as mulheres que usam casacos curtos, acima do joelho, calças justas e 'jeans' com buracos (ou rotos), além de roupas coloridas, entre outras regras.
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