Israel entende-se com a Arábia Saudita para controlar o Irão

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Soldados israelitas ocupam posições durante a demolição da casa de um alegado atacante palestiniano em Khobar, na Cisjordânia, uma operação realizada em agosto deste ano Mohamad Torokman - Reuters

Telavive parece não ter problemas em reconhecer que vem mantendo encontros secretos com a Arábia Saudita. A revelação foi feita pelo ministro da Energia, Yuval Steinitz, em entrevista à Rádio do Exército, colocando desde logo o azimute destas reuniões no Irão, um inimigo comum que justifica o arranjo regional para os israelitas. Mas a questão é mais ampla e entra em território sírio. Estado Islâmico, Primavera Árabe e Palestina são outros pontos que apimentam a receita que Israel tem ao lume num Médio Oriente marcado pela instabilidade de anos.

“Nós mantemos relações que são em grande parte secretas com vários países árabes e muçulmanos [países que não têm laços diplomáticos com Israel] e normalmente [não somos] a parte que se envergonha”. A revelação partiu do ministro da Energia, Yuval Steinitz.

As declarações à Rádio do Exército são a demonstração acabada de uma estratégia que parece favorecer em toda a linha o pragmatismo israelita em nome da segurança e dos subsequentes ganhos económicos que advirão com a estabilidade no país.

“É o outro lado que está interessado em manter esta relação discreta. Em relação a nós, por norma, não vemos nisso um problema, mas respeitamos o desejo da outra parte, quando desenvolvemos estas relações, seja com a Arábia Saudita ou com outros países árabes ou muçulmanos, e há muito mais... (mas) mantemos segredo”, explicou Steinitz, um membro do Likud do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

A informação deixada este domingo na Rádio do Exército não parece ser uma frase avulsa, que sai por acaso da boca de um ministro. Já durante a semana passada, numa inédita entrevista a um jornal saudita, o chefe do Estado-Maior israelita, general Gadi Eisenkot, sublinhava esse ponto fulcral para Telavive chamado Irão: “A maior e mais real ameaça para a região”.

Nas palavras de Eisenkot, Israel e Arábia Saudita estão de pleno acordo em relação ao que são os objectivos de Teerão: desestabilizar a região apoiando organizações terroristas com o fornecimento de armas. “O Irão quer tomar o controle do médio Oriente, criar um crescente xiita do Líbano ao Irão e, depois, desde o Golfo Pérsico até ao Mar Vermelho [e] nós temos de impedir que o consiga”.

Como assinala o Haaretz, foi a primeira vez que um oficial israelita concedeu uma entrevista a um meio de comunicação social da Arábia Saudita. Estamos a falar, no caso, do chefe das forças armadas. Só por si, esta abertura é indiciadora de que o xadrez geopolítico está a alterar-se, se é que, secretamente – como referiu Yuval Steinitz – não arrancou já para uma fase cujos sinais não foram ainda desvendados para o mundo.
"O Estado de sonho"

Neste sentido, é interessante a análise que faz Zvi Bar’el num artigo de opinião no Haaretz intitulado “Arábia Saudita: o Estado de sonho de Israel (“Saudi Arabia: Israel’s Dream State” no original do site em língua inglesa).

A ideia é a de que Israel está aberto a deixar que seja Riade a liderar uma coligação anti-Teerão, mas que poderá refrear-se relativamente a uma cooperação concreta face ao preço político que esse envolvimento implicaria.

O artigo apresenta a Arábia Saudita como o melhor aliado de Israel na região, desde logo porque faz frente ao Hezbollah, porque já deixou o aviso ao Hamas para abandonar a ideia de uma renovação dos laços com Teerão e, acima de tudo, porque “não há outra voz que se levante tão alto contra o Irão”.

“A Arábia Saudita é o sonho do Estado judeu. A sua atitude face ao Irão pode estragar o axioma por trás da estratégia de segurança de Israel, que todos os Estados árabes procuram a sua destruição, mas em contrapartida a Arábia Saudita reforça o estatuto do Irão como o inimigo final”.

Desde logo na fronteira com a Síria. Eisenkot sublinhou-o na entrevista com o jornal saudita: “A nossa exigência é que o Hezbollah deixe a Síria e que o Irão e as suas milícias se retirem da Síria. Nós já o dissemos abertamente, e também secretamente, que não aceitaremos a consolidação iraniana na Síria e a sua concentração a oeste da estrada Damasco-Sweida [a uns 50 km da fronteira israelita nos Montes Golan]. Não permitiremos qualquer presença iraniana. Já os advertimos sobre a construção de fábricas e bases militares e não o iremos permitir”.

A equação que pode colocar-se na real disposição de Israel para se envolver de peito aberto numa hipotética aliança de países árabes/muçulmanos pode esbarrar, de acordo com Zvi Bar’el, no preço a pagar por essa cooperação. E esse preço, afirma, é o processo de paz israelo-palestiniano.

“O problema é que uma aliança de interesses com a Arábia Saudita tem uma falha fatal. Exige que Israel pague um preço político demasiado pesado. Israel acredita que é possível cooperar com os Estados árabes contra os inimigos comuns, mas não em troca de uma possibilidade real de paz. A enorme segurança e benefícios económicos que derivam de um processo diplomático com participação de Estados árabes anti-iranianos é aparentemente inútil em olhos israelenses [que] prefere pagar os custos económicos e de segurança que implica salvaguardar meio milhão de colonos, já para não mencionar o colapso da democracia israelita. Uma aliança com a Arábia Saudita ou outros Estados árabes? Só se for de graça”, escreve Zvi Bar’el.
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