"Isto é uma revolução". Greve dos agricultores paralisa grande parte da Índia

por Mariana Ribeiro Soares - RTP

Há duas semanas que centenas de milhares de agricultores indianos bloqueiam as vias de acesso à capital Nova Deli, em protesto contra as reformas agrícolas impostas no país. No final de novembro, cerca de 250 milhões de trabalhadores aderiram à greve nacional que se estima ter sido a maior da história. Após várias reuniões sem sucesso com o Governo, os agricultores prometeram intensificar os protestos a partir de sábado, unindo-se contra a política do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi.

Em setembro, o Governo indiano aprovou três novas reformas agrícolas que procuram liberalizar os preços e a quantidade vendida de determinadas culturas e permitem que os agricultores possam vender os seus produtos a empresas ao preço que desejarem, em vez de vender em mercados regulados pelo Governo, como acontecia anteriormente.

O executivo indiano defendeu a reforma como necessária e positiva para os agricultores. O primeiro-ministro, Narendra Modi, argumentou que as novas leis reformariam um sistema arcaico e desatualizado e dariam aos agricultores um maior controlo sobre os preços das suas colheitas. No entanto, os agricultores protestaram contra esta reforma, criticando o facto de não terem sido consultados e de as novas medidas beneficiarem apenas as grandes empresas. Vários partidos da oposição denunciaram também, num comunicado conjunto, que as novas leis "ameaçam a segurança alimentar da Índia, destroem a agricultura e os agricultores indianos e são o primeiro passo para a abolição do preço mínimo".

Desde essa altura de aprovação das leis, os agricultores deram início a protestos massivos e há mais de duas semanas que milhares de agricultores – maioritariamente dos Estados de Punjabe e Haryana, os principais produtores – estão acampados na periferia de Nova Deli, bloqueando os acessos à capital. Recusam sair do local até que as novas leis agrícolas sejam revogadas e imposto um preço mínimo para as suas colheitas. “Estamos totalmente preparados para ficar aqui durante seis meses e podemos ficar mais tempo se não formos ouvidos e as nossas exigências não forem atendidas”, disse um dos agricultores a The Guardian.

Na passada terça-feira, os agricultores indianos convocaram uma greve nacional, a segunda no país em menos de um mês. Mais de 450 sindicatos e organizações de agricultores aderiram à greve que paralisou grande parte do país, ao bloquear a maioria dos transportes e ao encerrar lojas e mercados por toda a Índia.

“Foi um sucesso surpreendente. Não contávamos com o apoio de setores da sociedade que se pronunciaram espontaneamente em todos os Estados”, disse Avik Saha, secretário do sindicato AIKSCC, um dos organizadores da greve geral e dos protestos que duram há duas semanas e que têm atingido especialmente o norte da Índia.

A 26 de novembro tinha já decorrido uma greve nacional do setor agrícola, que reuniu 250 milhões de trabalhadores, sendo apontada como a maior greve da história. Nesse dia, a greve terminou com uma marcha até à capital indiana.

Pelas redes sociais circulavam imagens de agricultores que usavam tratores e camiões para derrubar as barreiras erguidas pela polícia como tentativa de os manter afastados da cidade. Há relatos de confrontos entre os manifestantes e agentes policiais, que usam gás lacrimogéneo e jatos de água para dispersar os manifestantes. “Isto é uma revolução, senhor”, diz um manifestante a um polícia num vídeo publicado no Twitter.

“Estas leis são o suicídio para todos nós”
A mais recente greve foi convocada depois de terem decorrido reuniões entre associações de agricultores e o Governo indiano, sem que tenha havido acordo. Na quarta-feira, o setor agrícola rejeitou a proposta do executivo de emendar as três leis polémicas e prometeu uma escalada dos protestos em todo o país a partir de sábado de forma a pressionar o Governo a abolir as emendas.

Os protestos representam um grande desafio para Modi, que não esperava uma greve nacional em plena pandemia. Com o confinamento a nível nacional e as duras restrições, a pandemia da Covid-19 foi encarada pelo Governo indiano como uma oportunidade para impor uma série de reformas sem correr o risco de contestação nas ruas, nomeadamente para reestruturar o vasto setor agrícola que representa quase 15 por cento da economia indiana e emprega cerca de metade dos seus 1,3 mil milhões de habitantes. Simultaneamente, a agricultura é também um setor caracterizado pela pobreza e subdesenvolvimento. A Índia tem uma das maiores taxas de suicídio entre agricultores do mundo.

“Os agricultores têm sofrido ao longo dos últimos 25 anos e o Governo nunca se preocupou connosco, mesmo quando muitos de nós estão a cometer suicídio”, disse Kuldip Malana, agricultor de 41 anos. “Eles nunca nos forneceram estruturas de refrigeração para manter as nossas colheitas frescas. Por isso, às vezes temos de vender os nossos vegetais por uma rupia. Eles não nos dão água suficiente para as nossas plantações”, acusa Malana, citado por The Guardian.

“Eles nunca pensaram em nós ao longo de todos estes anos e, de repente, surgem com reformas que em nada ajudam os agricultores, apenas beneficiam as grandes empresas”
, acrescenta o agricultor. “Estas leis são o suicídio para todos nós”, concluiu.
“Grande escândalo”
O primeiro-ministro indiano tem sido também criticado por ter anunciado recentemente o plano de construção de um novo edifício do parlamento em Nova Deli, avaliado em 200 mil milhões de rupias (cerca de 2,7 mil milhões de dólares). Os críticos defendem que esta quantia seria mais bem empregue no combate à Covid-19 e na reparação da economia profundamente afetada pela pandemia. A Índia é o segundo país do mundo mais afetado pela pandemia. Até ao momento, o país registou mais de 9,7 milhões de casos de infeção por Covid-19 e mais de 141.772 vítimas mortais.

“Este dinheiro poderia ter sido bem gasto no saneamento da economia e na criação de emprego, mas em vez disso está a ser gasto na realização dos grandiosos sonhos de um homem sobre como deveria ser a aparência de uma nova Índia”
, acusou o comentador político Arati Jerath, citado por Al Jazeera.

O executivo indiano defende que a construção do novo edifício parlamentar “corresponderá às aspirações de uma Nova Índia”. Já Tikender Singh Panwar, deputado da oposição e especialista em urbanização, descreve esta obra como “um grande escândalo”.

Modi apresentou o projeto numa altura em que se discutem aspetos legais no Supremo Tribunal, o que pode atrasar a remodelação. No entanto, as projeções apontam para a inauguração do edifício em 2022, ano em que a Índia comemora 75 anos de independência da Grã-Bretanha.

No Reino Unido, o primeiro-ministro Boris Johnson está a ser ridicularizado nas redes sociais depois de aparentemente ter confundido os atuais protestos dos agricultores na Índia e o longo conflito com o Paquistão.

Durante uma reunião no parlamento britânico, o deputado indiano Tanmanjeet Singh Dhesi questionou Boris Johnson quanto à posição do Governo britânico sobre as manifestações do setor agrícola na Índia, nomeadamente sobre o abuso de força por parte da polícia. Aparentemente confuso, Johnson respondeu: “Claro, temos sérias preocupações sobre o que se está a passar entre a Índia e o Paquistão, mas esses são assuntos importantes para os dois governos resolverem”.

c/agências
Tópicos
pub