Itália vai a votos com a extrema-direita às portas do poder

por Andreia Martins - RTP
Matteo Salvini, Silvio Berlusconi e Giorgia Meloni juntos no comício que encerrou a campanha eleitoral, na sexta-feira, em Roma. Yara Nardi - Reuters

Mais de 46 milhões de italianos elegem este domingo um novo Parlamento a quem caberá nomear um novo Governo. As últimas sondagens disponíveis indicam que o país deverá passar a ser dirigido por uma coligação entre a extrema-direita e a direita com Matteo Salvini e Silvio Berlusconi, sob a liderança de Giorgia Meloni, do partido "Irmãos de Itália".

Os italianos vão eleger este domingo, um novo Governo, na sequência da demissão do primeiro-ministro, Mário Draghi, a 21 de julho. O antigo presidente do Banco Central Europeu apresentou renunciou ao governo de salvação nacional devido ao abandono por parte de um dos partidos da coligação governamental, o Movimento 5 Estrelas.

Nos inquéritos divulgados até duas semanas antes da eleição, o partido de extrema-direita, Fratelli d’Italia, obteve entre 24 a 25 por cento das intenções de voto. Em segundo lugar surge o Partido Democrático, de centro esquerda, que deverá reunir entre 21 a 22 por cento dos votos.

Logo a seguir, deverá ficar o Movimento 5 Estrelas, com 13 a 15 por cento, muito penalizado pelo papel que desempenhou na queda do executivo de Draghi.
A aliança “fratellista” liderada por Giorgia Meloni conta com os partidos de Matteo Salvini e Sivlio Berlusconi.

Seguem-se os partidos à direita, o Liga e o Força Itália, de Matteo Salvini e Silvio Berlusconi, com 12 e 8 por cento, respetivamente.

Giorgia Meloni, a mais provável escolha dos italianos para presidente do Conselho de Ministros – como se designa em Itália o cargo de primeiro-ministro – promete revolucionar e reformar vários aspetos da política interna e da própria Constituição do país, ao lado de Salvini e Berlusconi.

Uma das principais propostas dos Irmãos de Itália consiste em fazer com que a eleição do presidente italiano passe a ser feita diretamente por sufrágio universal. Até ao momento, esta eleição sempre ocorreu por votação do Parlamento.

“Faremos uma alteração no âmbito presidencial e ficaremos felizes se a esquerda nos quiser ajudar, mas se os italianos nos derem os números necessários, também a faremos sozinhos”, afirmou em Roma na sexta-feira, no derradeiro comício na Praça do Povo antes da eleição deste domingo.

Por sua vez, o Partido Democrático procura nestas eleições consumar o regresso ao poder. No discurso de encerramento da campanha, Enrico Letta apelou ao voto numa Itália “democrática e progressista”.

Perante as mensagens populistas à direita, o PD não se coíbe a estar do lado das instituições europeias. “Somos a esperança quando combatemos as injustiças, quando não construímos muros”, vincou.

“Viva a Europa, chega desta narrativa antieuropeia. Digo e repito: viva a Europa”, acrescentou o ex-primeiro-ministro no comício que também decorreu em Roma.
Possíveis fendas na coligação

Caso o bloco de direita e extrema-direita consiga uma maioria de dois terços nas duas câmaras do Parlamento italiano, a coligação poderá fazer aprovar várias alterações à Constituição sem necessidade de um referendo.

Essa foi a promessa de Giorgia Meloni aos eleitores, mas que não conta sequer com o apoio dos próprios parceiros de coligação. Matteo Salvini, por exemplo, prefere que a questão seja levada a referendo mesmo que haja uma grande maioria de direita nestas eleições.

“Se eu tiver de mudar a Constituição, prefiro ter um acordo sobre as reformas, porque reformas impostas pela maioria no poder nunca vão longe. (…) Se querem rever a Constituição, é vosso dever envolver todo o país, não apenas os partidos, acrescentou”, observou o dirigente da Liga e antigo vice-primeiro-ministro.

Os três partidos que poderão liderar o país após estas eleições também não se entendem inteiramente no que diz respeito à política externa, nomeadamente em relação ao conflito na Ucrânia.

Na antecâmara da eleição, a coligação tentou mostrar-se unida no apoio às sanções contra Moscovo. Mas nos últimos dias de campanha, o líder do Força Itália, Silvio Berlusconi, acendeu a polémica nos ao ter afirmado que o presidente russo, Vladimir Putin, foi empurrado para a guerra na Ucrânia pelo contexto que encontrou.

"Putin foi pressionado pela população russa, pelo seu partido e pelos seus ministros para inventar esta operação especial", disse numa entrevista à emissora italiana Rai.

O ex-primeiro-ministro italiano sublinhou que o plano das tropas russas era “entrarem, chegarem a Kiev numa semana, fazer cair e substituir o governo de Zelensky por pessoas decentes e, uma semana depois, retirarem e voltarem à Rússia”.

Berlusconi culpou ainda a “resistência inesperada” que foi “alimentada por armas de todo o tipo” enviadas pelo Ocidente.

As declarações de Berlusconi foram de tal forma mal recebidas que o magnata italiano, próximo de Vladimir Putin, se redobrou em esforços para as justificar nas horas seguintes, mesmo perante os parceiros de coligação, empenhados em fazer passar uma imagem mais moderada e conciliadora na reta final da campanha.

Berlusconi esclareceu que as suas palavras tinham sido “simplificadas em excesso” e que “a agressão contra a Ucrânia é injustificável e inaceitável”. O seu partido, garante, estará “sempre com a União Europeia e a NATO”.
Novidades com regresso ao passado

Prevê-se, de novo, mais um governo em Itália com enormes fragilidades. Só nos últimos dez anos, o país conheceu seis primeiros-ministros em governos instáveis com uma duração média de dois anos cada.

Destaque, este ano, para as novas regras em vigor na eleição após as alterações à lei em 2018. O número de deputados na Câmara baixa irá passar de 630 para 400 parlamentares, enquanto o Senado terá 200 representantes, em vez dos habituais 315.

Habitualmente, em eleições legislativas, o território italiano é dividido a distritos pelos quais se dividem os deputados. Os distritos podem ter um sistema uninominal, winner takes all - em que apenas vence o partido mais votado mesmo que não chegue a uma maioria - e os ciclos plurinominais, de representação proporcional em relação à percentagem alcançada pelos partidos.

Em Itália, os distritos uninominais representam um terço do total de distritos na nomeação para ambas as Câmaras do Parlamento.

Na eleição deste domingo, Giorgia Meloni poderá fazer história ao tornar-se na primeira mulher a ocupar o Palácio Chigi, a residência oficial do chefe de Governo italiano. No entanto, apesar de potencialmente inédito, este plebiscito poderá representar um regresso aos ideais do passado.

Aliás, uma das frases fortes da carreira política de Meloni soa familiar aos portugueses: “Deus, Pátria e Família”, apanágio do regime salazarista durante o Estado Novo, inspirado no modelo de Il Dulce, Benito Mussolini. 

“Deus, pátria e família, slogan usado pelo fascismo, é uma síntese da visão de Mussolini. Deus como única verdade, país como fronteira a ser defendida, família como monopólio do afeto. Deus, pátria e família, assim declamados, não são valores, são um crime”, critica o escritor italiano Roberto Saviano.


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