Ivanka é filha do seu pai ou a escravatura no espelho da mulher empreendedora

por RTP
Fabrizio Bensch, Reuters

Numa adaptação mais pictórica do que frutícola, há quem diga sobre Ivanka Trump que a maçã não cai longe da laranja. E volta a ser o caso com a publicação do novo livro da filha do presidente americano. A escravatura parece por estes tempos fazer parte dos tópicos da agenda da Casa Branca, mas sempre com os tiros a saírem ao lado. Ou não, talvez seja a visão apurada no seio do clã Trump.

Há uma semana, um tweet aparentemente mal calculado do presidente Donald Trump averiguava da possibilidade de uma via alternativa para a História americana, ao atestar que fosse vivo na altura o presidente Andrew Jackson e nunca teria acontecido uma Guerra Civil no país. Trump esqueceu o papel que a escravatura teve para o desencadear do fraticídio.

Trump esqueceu – ou não – que o próprio Andrew Jackson era ele próprio um esclavagista “dono” de centenas de pessoas, entre homens, mulheres e crianças.


O facto de estar a referir-se a um proprietário de seres humanos não impediu o presidente Donald Trump de olhar para o presidente Andrew Jackson como um exemplo de governação.

Entretanto, como a maçã não cai longe da laranja, no seu novo livro Ivanka Trump retoma também ela o tema da escravatura. Diz a herdeira favorita de Donald Trump no ainda fresco Women Who Work: Rewriting the Rules for Success que a mulher moderna está amarrada por grilhões de uma agenda que a mantêm escrava da actual organização da sociedade.

Sobre o assunto, Ivanka citou Toni Morrison, escritora e professora norte-americana que foi Nobel de Literatura de 1993. Do seu livro Beloved, que mereceu o Pulitzer, Ivanka retirou “Libertarmo-nos era uma coisa, reivindicar pleno poder dessa liberdade era outra” (no original: “Freeing yourself was one thing; claiming ownership of that freed self was another”).

Ivanka estabeleceu aqui uma ligação entre a mulher negra, escrava, privada de liberdades e de direitos, e a mulher cosmopolita, que procura vencer na moderna organização das empresas. Uma forma leve, insustentável, de perspectivar a história e os seus hiatos civilizacionais que mereceram criticas de todo o lado.


Mas as citações não se ficaram por aqui. A assessora da Casa Branca foi buscar por exemplo a escritora e activista Maya Angelou, falecida em 2014, ou Jane Goodall, a conhecida especialista na vida dos primatas. Esta última respondeu-lhe: “Espero sinceramente que ela leve a sério as minhas palavras”. Houve no entanto quem não gostasse de aparecer no livro de Ivanka.


A crítica especializada, lembra a CNN, também não foi complacente em relação às falhas do livro, em particular com a sua infinita capacidade de descontextualizar as citações de que faz uso.

O artigo da CNN acaba com uma citação da página oficial do Facebook de Ivanka Trump: “À luz das regras de ética do governo, quero deixar claro que este livro é um projeto pessoal. Foi escrito numa fase diferente da minha, do ponto de vista de uma executiva e empresária, e o manuscrito estava acabado antes da eleição de Novembro". Não se percebe se o post pretende advertir que a argumentação que sustenta o livro não serve agora à Ivanka assessora e filha do presidente americano.
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