Joe Biden decreta fim de contratos federais com prisões privadas nos EUA

por Graça Andrade Ramos - RTP
Reuters

O Departamento da Justiça dos Estados Unidos tem agora ordens para não renovar contratos com prisões operadas por empresas privadas. "Este é um primeiro passo para impedir que as corporações lucrem com os encarceramentos", justificou o novo Presidente norte-americano.

O decreto assinado terça-feira ordena ao Departamento de Justiça que ponha fim à sua dependência das prisões privadas e ainda que reconheça o papel que o governo central tem desempenhado na implementação de políticas desiguais na habitação.
Um memorando enviado ao Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano determina que este deverá promover a igualdade nas suas políticas assim com fazer um estudo sobre o efeito que as leis de Trump poderão ter tido na aplicação de políticas de habitação igualitárias.

As novas ordens obrigam também o governo federal a respeitar a soberania tribal e a repudiar a discriminação das comunidades asiáticas e do Pacífico durante a pandemia de Covid-19.

Antes de assinar a nova legislação, Joe Biden explicou que o "governo tem de mudar" a forma como aborda a igualdade racial.

"Temos de mudar agora", afirmou. "Sei que vai demorar mas sei que podemos fazê-lo. E acredito firmemente que a nação está pronta a mudar. Mas o governo também tem de mudar".

A medida inclui-se na série de nova legislação com o que o recém-empossado Presidente Joe Biden tenta apagar quatro anos de Donald Trump e reverter aos últimos tempos da Administração Obama, de quem era vice-presidente.

Cumpre também promessas de campanha de implementar políticas com o foco na promoção da igualdade, consideradas benéficas para a Economia

Os Estados Unidos enquanto nação são menos prósperos e seguros devido ao flagelo do racismo sistémico, sublinhou Biden terça-feira, ecoando palavras da sua conselheira para a política nacional, Susan Rice.

"Construir uma economia mais igualitária é essencial se os americanos quiserem ser competitivos e florescer no século 21", afirmou esta recentemente, citando um estudo do Citigroup, de 2020, de acordo com o qual os Estados Unidos da América terão perdido 16 biliões de dólares nos últimos 20 anos devido a práticas discriminatórias em diversas áreas, incluindo Educação e acesso a empréstimos comerciais.

O mesmo estudo estima um impulso de crescimento económico orçado em cinco biliões de dólares nos próximos cinco anos, se conseguir por fim a tais práticas.

O decreto sobre as prisões foi contudo criticado, tanto por não ir mais longe como por ser "meramente político".
Impacto muito relativo
O desinvestimento de acionistas, sobretudo devido a ativismo, e a pandemia, já estão a ter um forte impacto financeiro nomeadamente em duas das maiores empresas a operar centros de detenção federais, a CoreCivic e o Grupo GEO.
Num universo de 152 mil encarcerados em prisões federais, o sistema prisional privado dos EUA é responsável por cerca de 14.000 detidos. É utilizado tanto pelo Departamento Prisional Federal como pelo U.S. Marshals Service e pelo serviço norte-americano de Imigração e Fronteiras, o ICE.
O ICE é o maior cliente daquelas duas empresas, mas não é abrangido pelo decreto assinado terça-feira pelo Presidente.

Em 2019, estes centros do ICE foram os maiores clientes do CoreCivic, representando 29 por cento da sua faturação. Só cinco por cento, 400 milhões, vieram do Departamento Prisional ou do U.S. Marshals Service. O peso destes últimos clientes nos negócios do grupo GEO foi de 570 milhões em 2019, ou 23 por cento da receita total.

O decreto presidencial "não é positivo para o Grupo GEO ou para a CoreCivic, mas também não rebenta com o modelo de negócio", assinalou Joe Gomes, analista sénior da Noble Capital Markets, à agência Reuters.

Mais do que a Ordem Executiva de terça-feira, o problema imediato das empresas de administração de estabelecimentos prisionais será mesmo a falta de clientes e de investidores.
Um negócio em queda
O Departamento Prisional Federal já tinha optado em 2020 por não renovar os contratos com diversas penitenciárias privadas, depois de questões sanitárias ligadas à pandemia terem levado à libertação de milhares de detidos para confinamento domiciliário, diminuindo drasticamente a população prisional.

Também os centros do ICE passaram a operar muito abaixo da capacidade, devido a restrições pandémicas, sobretudo junto à fronteira dos EUA com o México.

Em comunicado, o GEO criticou o decreto de Biden como “uma solução à procura de um problema”.

"Dado os passos que o Departamento Prisional Federal já tinha anunciado, a Ordem Executiva de hoje não é mais do que uma declaração política, que irá acarretar consequências graves e involuntárias, incluindo a perda de centenas de postos de trabalho e um impacto negativo para as comunidades onde os nossos centros estão instalados, as quais já passam dificuldades económicas devido à pandemia de Covid-19", referiu a empresa. Em 2018 os EUA tinham quase 700 cidadãos detidos por cada 100.000 pessoas, a mais elevada taxa de encarceramento do mundo. Os custos de detenção, liberdade provisória e liberdade condicional pesavam 81 mil milhões de dólares nas contas federais.

O maior impacto poderá mesmo ser o sinal dado aos investidores da antipatia da Administração Biden para com o sistema prisional privado. Mas já antes, mesmo sob Trump, essa tendência era evidente.

Em 2019, o JP Morgan, o Bank of America e o Sun Trust, antigos promotores de títulos e de obrigações das duas empresas, anunciaram que iriam deixar de financiar o negócio das prisões privadas.

Desde então nem o Grupo GEO nem a CoreCivic realizaram operações em bolsa. O decreto de terça-feira levou à queda das suas ações para níveis de há uma década, o equivalente a mais de 80 por cento desde a política anti-imigração de Donald Trump que encheu os centro do ICE.

As duas empresas enfrentam agora perspetivas remotas de conseguir financiamentos das respetivas dívidas, já consideradas ao nível de lixo pelas agências de rating Moody’s e S&P. O GEO tem uma dívida de 250 milhões de dólares que vence daqui a um ano e CoreCivic tem outra de igual valor a vencer em outubro de 2022.
Nem a gregos nem a troianos
O decreto de Biden também não agrada aos defensores dos direitos, liberdade e garantias cívicas, os quais afirmaram à Associated Press que Biden ficou aquém do necessário.

"A Ordem assinada hoje é um primeiro passo importante no sentido de reconhecer o mal feito e na sua correção, mas o Presidente Biden tem obrigação de fazer mais, especialmente dada a sua história e promessas", considerou David Fathi, diretor do Projeto Prisional da União Americana de Liberdades Civis, lembrando que o decreto não pôs fim à dependência federal do sistema prisional privado.

Desapontamento foi também a reação de Rashad Robinson, presidente da organização para a justiça racial Cor da Mudança, que tem lutado pelo regresso da proibição de utilização de material militar por parte de esquadras locais, uma política decretada pela Administração Obama.

"A Ordem Executiva do Presidente Biden", de não renovar os contratos e de investigar as políticas de descriminação na habitação sob Trump, dá "passos importantes que não vão suficientemente longe", referiu Robinson.

C/agências
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