Hong Kong nomeou, no domingo, o novo chefe do executivo local. John Lee, o ex-chefe de segurança que supervisionou a repressão aos grandes protestos pró-democracia de 2019, vai substituir a líder cessante, Carrie Lam, a 1 de julho. O currículo de Lee não deixa margens para dúvidas sobre o futuro da região administrativa especial sob a sua liderança.
O ex-agente policial de 64 anos foi o único candidato a suceder a líder cessante Carrie Lam, devendo substituí-la quando esta terminar o seu mandato de cinco anos no final de junho.
Lee é também o primeiro líder de Hong Kong de origem policial. Secretário para a Segurança no executivo da chefe do executivo cessante, Lee supervisionou as operações policiais para pôr fim aos protestos antigovernamentais que abalaram a cidade em 2019 e tornou-se, mais tarde, o rosto da polémica lei de segurança nacional.
Lee ingressou na força policial de Hong Kong em 1977, com apenas 19 anos. Rapidamente ganhou notoriedade pela sua política de linha dura e foi subindo na hierarquia. Em 2012, ingressou no Departamento de Segurança e em 2017 foi então nomeado chefe de segurança.
Foi sob o mandato de Lee que o Departamento de Segurança de Hong Kong apresentou o controverso projeto de lei de extradição que motivou os célebres protestos de 2019. O projeto de lei em causa autorizava extradições de criminosos para países sem acordos prévios, como é o caso da China continental. Os críticos denunciavam, assim, uma crescente interferência de Pequim na antiga colónia britânica.
Os protestos rapidamente se expandiram para um movimento pró-democracia e antigoverno, e apesar de o projeto de lei ter sido retirado, os manifestantes continuaram a sair à rua para exigir reformas democráticas mais amplas, como o sufrágio universal.
No auge da crise, os confrontos entre manifestantes e agentes policiais eram diários, com os manifestantes a arremessarem tijolos e cocktails molotov e a polícia a responder com gás lacrimogéneo, balas de borracha e, às vezes, munições reais.
De forma a colocar um ponto final nos protestos e a abafar qualquer dissidência, Pequim impôs a Lei de Segurança Nacional em junho de 2020. Descrita pelo governo de Hong Kong na época como "um passo crucial para acabar com o caos", a lei proíbe a expressão de quase qualquer forma de dissidência e permite sentenças máximas de prisão perpétua.
Se Lee já tinha ganho notoriedade pelo seu papel na repressão aos protestos, a implementação da lei de segurança nacional cimentou a sua reputação como um líder autoritário e leal a Pequim.
Especialistas dizem que a repressão de Lee aos protestos e o apoio à lei de segurança nacional é precisamente o motivo pelo qual foi nomeado líder da região. "Esta é a recompensa pela lealdade", disse Joseph Cheng, ativista pró-democracia, à CNN.
As promessas de Lee para Hong Kong
O currículo de Lee não deixa margens para dúvidas sobre o futuro de Hong Kong sob a sua liderança.
Sob o slogan "Iniciar em conjunto um novo capítulo para Hong Kong”, Lee prometeu um governo "orientado para resultados", mas o programa de 44 páginas, publicado na semana passada, apresentou poucas medidas concretas.
Na campanha eleitoral, Lee prometeu reforçar a legislação de segurança e introdução a educação de “identidade nacional” – duas propostas há muito controversas. O novo chefe do executivo de Hong Kong comprometeu-se ainda a aumentar a oferta de habitação no mercado imobiliário mais caro do mundo, melhorar a competitividade da cidade e estabelecer uma base firme para o desenvolvimento de Hong Kong. Lee também manifestou apoio a uma lei contra as notícias falsas, aumentando os temores de ameaças à liberdade de imprensa.
"Sei que levarei tempo para convencer a população", admitiu John Lee no domingo diante da imprensa. "Mas eu posso fazer isso através da ação”, sublinhou.
Lee salientou que quer construir uma Hong Kong "cheia de esperança, oportunidade e harmonia", agora que as autoridades "restauram a ordem do caos".
Reações à nomeação de Lee
O chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, defendeu no domingo que a nomeação de John Lee como líder do executivo de Hong Kong “viola os princípios democráticos e o pluralismo político”.
Através de uma publicação na rede social Twitter, Borrell apontou que o “processo de seleção” é "mais um passo no desmantelamento do princípio ‘um país, dois sistemas'”.
O chefe da diplomacia da UE vincou ainda que Hong Kong deve respeitar os seus compromissos nacionais e internacionais.
Ativistas e apoiantes pró-democracia também criticam as circunstâncias da eleição, para além de temerem o futuro de Hong Kong sob a liderança do homem que liderou a repressão ao movimento pró-democracia.
"Definitivamente não é, por qualquer meio ou parâmetro, um processo democrático", disse Nathan Law, ativista de direitos humanos e ex-legislador local, agora em autoexílio no Reino Unido, à CNN. "É realmente apenas uma nomeação. Eu realmente não chamo isso de eleição", acrescentou.
O Governo de Hong Kong classificou a eleição de Lee como “aberta, justa e honesta”, mas o novo líder foi, na verdade, nomeado por uma comissão eleitoral composta por 1463 membros, a maioria pró-Pequim. Na ausência do sufrágio universal, é esta comissão a responsável pela nomeação do líder para os cerca de 7,5 milhões de habitantes de Hong Kong.
c/ agências