Jornalistas franceses denunciam estratégia de Macron para calar a imprensa

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Stephane Mahe, Reuters

O sindicato dos jornalistas franceses acusa o Eliseu de procurar intimidar vários jornalistas que estavam a investigar a presença de armas francesas na guerra do Iémen e os desenvolvimentos do Caso Benalla, com fortes ramificações no Eliseu e na própria estrutura do presidente Emmanuel Macron, e foram convocados para audições nos serviços de informações (Direcção-Geral da Segurança Interna). O argumento será o de que existem “segredos [de Estado] que devem ser protegidos”, portanto, que se sobrepõem ao direito dos cidadãos à informação.

Foram oito os jornalistas convocados para se deslocarem à Direcção-Geral da Segurança Interna. Em comum têm dois assuntos que há muito vêm aquecendo a discussão nas esferas pública e política francesas: a venda ou circulação de armamento francês na guerra do Iémen e o affaire Benalla.

No rol da lista consta também o nome do director executivo do diário Le Monde, que já ontem denunciava em editorial a intimidação a uma jornalista do jornal, Ariane Chemin, precisamente responsável pela revelação do Caso Benalla, episódio que envolve um elemento da segurança pessoal do presidente Emmanuel Macron em escaramuças com manifestantes do Primeiro de Maio, em 2018.

O Le Monde foi o órgão de comunicação que, no ano passado, após os tumultos do Primeiro de Maio, revelou um vídeo em que Alexandre Benalla, membro da segurança do presidente e elemento próximo de Emmanuel Macron, surge integrado entre as equipas das forças de segurança equipado com um capacete da polícia – à qual não pertencia – a agredir de forma violenta uma das manifestantes.

Um episódio que se avolumou com a revelação de outras intervenções sobre Benalla durante esse dia e que ganhou depois proporções políticas com ramificações aos serviços de segurança, chegando até ao então ministro do Interior, Gérard Collomb, e parte da entourage de segurança do presidente Macron.

O conflito no Iémen foi também uma das justificações dos serviços de informações de Macron para convocarem um outro grupo de jornalistas de vários órgãos de comunicação. Em causa está a participação de Paris numa guerra que se arrasta desde 2015 e que já fez milhares de vítimas directas e muitos milhares mais de iemenitas a viverem uma situação humanitária de total degradação, com a fome a reclamar os mais frágeis, em particular crianças. Trata-se de um cenário que por si só é toda a propaganda negativa de que um governo não precisa.

Os jornalistas franceses não deixaram cair o assunto, com as investigações a incidirem na venda de armas à Arábia Saudita, que tem tomado partido na guerra lançando ferozes ataques aéreos contra as forças da etnia Houtsi, uma das partes que luta pelo poder no país, mas que Riade e Washington (aliados neste conflito) vêem próximos do Irão.
Jornalistas coesos contra Macron

O Sindicato dos Jornalistas franceses (SNJ – Syndicat national des journalistes, na designação original) já denunciou estas convocatórias como uma clara tentativa de intimidação e de calar os media. Refere o SNJ em comunicado que “algo de muito errado se passa no país. Nós vemos aqui uma vontade de intimidar os jornalistas e as suas fontes, o que é absolutamente escandaloso (…) Estamos perante um novo e insuportável golpe de Estado contra o jornalismo e a liberdade de informar”.

A União Sindical dos Jornalistas (CFDT-Journalistes) fala de “um procedimento cujo objectivo não declarado é o de silenciar os jornalistas na sua missão de informar”.

Quatro dezenas de redacções reagiram em comum à convocatória dos serviços de informações franceses com uma condenação “inequívoca do que se assemelha a nova tentativa de intimidação dos jornalistas que não fazem mais do que o seu trabalho: levar aos cidadãos informações com interesse público”.

O Eliseu respondeu entretanto a estas acusações com o frágil argumento de que os jornalistas são pessoas como as outras. “Os jornalistas estão sujeitos à lei como todos os outros [cidadãos] (…) é normal que um Estado proteja um certo número de informações necessárias às suas actividades militares e de defesa”, declarou esta quinta-feira aos microfones da rádio Europe 1 a porta-voz do governo, Sibeth Ndiaye.
“O Estado é o Estado”

Ao argumento dos órgãos de comunicação, de que é inviolável o direito de informar e a protecção das fontes envolvidas nestas histórias, reage o Eliseu com a ideia de que a fronteira do jornalista é aquela linha em que os jornais fragilizam a própria segurança do Estado.

“Em relação ao Iémen, houve uma nota classificada de segredo de defesa que foi parar por aí, isso não é normal. O que é normal é que o governo, o Estado francês se questione sobre a possibilidade de haver fugas no seu interior”, justificou a porta-voz, interrogando-se se, “acontecendo hoje com jornalistas, de futuro não poderá envolver uma potência estrangeira? É fulcral que sejamos capazes de encontrar essas fugas”.

Ndiaye quis garantir que este cenário “não colocará em causa o nosso respeito pelo segredo das fontes, é um direito muito importante para os jornalistas, elemento fundador da sua actividade, no entanto o Estado é o Estado. E há segredos que nós devemos proteger”.
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