Kim Jong-un nos braços de Pequim antes do encontro com Donald Trump

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Nesta primeira viagem ao exterior desde que assumiu o poder na Coreia do Norte, Kim Jong-un fez-se acompanhar da sua mulher, Ri Sol Ju, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Ri Yong-ho, e um grupo de altos funcionários Kim Hong-Ji - Reuters

Confirmada que está a visita de Kim Jong-un a Pequim, começa agora a especulação sobre o conteúdo dos contactos do líder norte-coreano com o presidente chinês, Xi Jinping. A viagem está a ser vista à luz da agenda internacional de Pyongyang dos meses que aí vêm: os encontros com o Presidente sul-coreano, Moon Jae-in, em abril, e com o Presidente norte-americano, Donald Trump, em maio.

Nesta primeira viagem ao exterior desde que assumiu o poder na Coreia do Norte, Kim Jong-un fez-se acompanhar da mulher, Ri Sol Ju, do ministro dos Negócios Estrangeiros, Ri Yong-ho, e de um grupo de altos funcionários da administração norte-coreana e do Partido dos Trabalhadores.

Desfeitas as dúvidas sobre quem eram os ocupantes mistério do comboio verde que chegou no último domingo à gare de Pequim, entram em campo os analistas e a contabilidade diplomática, agora que estamos a poucas semanas do encontro histórico entre um líder norte-coreano e um presidente norte-americano.

Uma tese que ganha força é a do regresso do filho pródigo, ou seja, Pyongyang a procurar a reconciliação com o patrono natural depois de desgastar a relação com uma série de testes nucleares que mereceram uma censura generalizada.

Há décadas que Pequim funciona como asa protectora do regime de Pyongyang. No entanto, nos últimos anos, e em particular nos últimos meses, a relação de Pequim com Kim Jong-un tem vindo a desgastar-se face à determinação do líder norte-coreano em pôr de pé um programa nuclear consolidado, com um arsenal capaz de remover qualquer cenário de ameaça a partir da Coreia do Sul ou do aliado dos sul-coreanos em Washington.
“É o mais apropriado”
A relação estragou-se mais quando Pequim deu luz verde aos pacotes de sanções levadas pelos Estados Unidos ao Conselho de Segurança da ONU, possibilidade que até muito recentemente não passava disso mesmo, uma possibilidade. A própria China cortou a sua ajuda ao regime de Kim, o que pode ser lido como o desejo dos chineses de não quererem ver alimentado um diferendo nuclear à porta de casa.

No entanto, ao contrário do contentamento com que Donald Trump recebeu notícias do encontro de Xi com Kim, este pode, mais do que remeter o regime norte-coreano para uma posição defensiva, fornecer um novo conforto à delegação que vai encontrar-se com os americanos.

“É o mais apropriado que a minha primeira visita ao estrangeiro seja à capital da República Popular da China, como é também um dos meus deveres valorizar a amizade entre a China e a Coreia do Norte da mesma forma que valorizo a minha própria vida”, declarou o líder coreano durante o banquete oferecido pelo presidente Xi Jinping, de acordo com a KCNA, agência noticiosa oficial da Coreia do Norte.

A KCNA acrescentava ainda que da agenda constou “uma profunda” troca de opiniões dos dois líderes regionais sobre as relações bilaterais e a segurança na península coreana, com Kim Jong-un a apelar a um reforço da “cooperação tática e estratégica” dos dois países com vista a uma posição de unidade e cooperação entre aliados tradicionais.
“O que é acertado”
Já Casa Branca referia esta terça-feira que Pequim informou o presidente Trump acerca dos encontros realizados durante a estada de Kim Jong-un, com uma nota de satisfação pelos desejos do líder norte-coreano de avançar para um processo de desnuclearização.

O próprio Presidente Trump brandiu a espada da vitória no Twitter: “Durante anos e em muitas administrações, todos disseram que a paz e a desnuclearização da Península Coreana não era sequer uma pequena possibilidade. Agora há uma boa hipótese de que Kim Jong-un faça o que é acertado para o seu povo e para a humanidade”.


A questão pode no entanto estar nos interstícios da terminologia. Como é referido por alguns analistas, Kim poderá de facto estar disposto a entregar o programa em que vem trabalhando há anos e aceitar o processo de desnuclearização; há porém a forte possibilidade de o líder norte-coreano entender que desnuclearização significa desnuclearização de toda a península, ou seja, não apenas da Coreia do Norte mas também da Coreia do Sul.

Kim Jong-un foi, aliás, muito explícito acerca deste ponto, quando admitiu a Xi Jinping que estava disposto a ceder no programa nuclear mas com condições: “A questão da desnuclearização da península coreana pode ser resolvida, se a Coreia do Sul e os Estados Unidos responderem aos nossos esforços com boa vontade, criando uma atmosfera de paz e estabilidade, tomando medidas nesse sentido”.
“Um papel construtivo”
Não sendo Seul uma potência nuclear, Kim Jong-un poderá aqui exercer as suas exigências no sentido de anular a parceria militar que existe entre a Coreia do Sul e os Estados Unidos, com as frequentes operações militares e manobras conjuntas nas águas da Coreia.

E é neste sentido que, num gesto de reconciliação mais do que oportuno, a visita de Kim a Pequim pode ser visto como um reforço da sua posição negocial antes dos encontros com os presidentes da Coreia do Sul e dos Estados Unidos, em abril e maio, respectivamente.

E, face às declarações amigáveis que saíram das agências chinesa e norte-coreana, pode dizer-se que Pequim abriu os braços ao amigo do sul, sanando todo o azedume que arreliou a relação nos últimos tempos, por um lado, e enviando o sinal a Trump que – o interesse dos chineses – estará sentado à mesa quando em maio Kim Jong-un e Donald Trump estiverem frente-a-frente.

O encontro marcado pelo sucesso fornece ainda uma rede de segurança ao regime coreano: regredindo ao tempo das boas relações com a China, Pyongyang mostra a Seul e ao seu amigo americano que voltou a ter uma alternativa caso fracassem as negociações marcadas para esta Primavera.

A posição de Pequim parece ser aqui muito clara e colada aos desejos norte-coreanos: “A China continuará a desempenhar um papel construtivo na questão (das conversações) e continuará a trabalhar com todas as partes, incluindo a República da Coreia, no sentido de melhorar a situação na península”, noticiou a agência oficial chinesa Xinhua, referindo-se a expressão “situação na Península” não apenas à tensão relativa ao programa nuclear de Pyongyang mas também à presença de tropas dos Estados Unidos na região.
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