Lei antiaborto. Jovem de El Salvador absolvida em tribunal

por RTP
Apoiantes de Imelda Cortez, festejando a sua absolvição Jose Cabezas, Reuters

Uma mulher de 20 anos foi acusada de homicídio por um tribunal de El Salvador, país com uma das mais duras legislações anti-aborto. Imelda Cortez deu à luz numa latrina, onde deixou o bebé fruto de uma violação. Em consulta hospitalar posterior, os médicos suspeitaram que tinha tentado abortar. O tribunal declarou-a inocente e libertou-a de imediato. O violador – o padrasto – foi detido e está a aguardar julgamento.

Imelda Cortez deu à luz numa latrina, em abril do ano passado, e abandonou lá a criança. “Senti qualquer coisa sair quando estava na casa de banho”, contou a jovem, que era vítima há vários anos dos abusos sexuais e violações do padrasto.

Com uma hemorragia, a rapariga de 20 anos dirigiu-se ao hospital e o médico que a observou suspeitou de uma tentativa de aborto ilegal. De acordo com a acusação, a placenta tinha sido removida.

Após a denúncia do hospital, a polícia foi inspecionar a fossa sética da habitação de Imelda, no município de El Paraíso. Escutaram um choro e encontraram um recém-nascido "cheio de fezes e de um pó branco". A bebé, nascida prematuramente, foi levada para o hospital e sobreviveu. A mãe foi colocada em prisão preventiva.

A jovem, que sempre afirmou desconhecer que estava grávida e inicialmente também negou ter dado à luz, deixou a bebé na fossa sética, o que "constitui uma tentativa de homicídio", refere a acusação.

Estando o julgamento previsto para continuar até quinta-feira, o Ministério Público pediu esta segunda-feira que se reclassificassem os crimes para "abandono de pessoa vulnerável" e pediu um ano de prisão.

"O juiz então considerou que não havia provas de que Imelda tivesse cometido um crime", conta o porta-voz da organização não-governamental ACDATE, Jorge Menjivar, citado pela Agência France-Presse.

Numa decisão inesperada, o juiz concluiu que o tribunal não poderia esperar que Imelda tivesse agido de forma diferente, tendo em conta os danos emocionais e psicológicos infligidos pela violência sexual sofrida desde a infância.

Em prisão preventiva há um ano e oito meses, Imelda Cortez foi libertada de imediato. À saída, esperavam-na familiares, ativistas de direitos humanos e cerca de 200 jovens, que festejaram a sua libertação a cantar “si si pudo” (sim, ela pode). O Ministério Público refere que o padrasto foi detido, encontrando-se a aguardar julgamento.
Sentença pode fazer jurisprudência
Em El Salvador, 22 mulheres estão a cumprir penas de prisão até 35 anos por homicídio relacionado com o aborto, denuncia o Grupo para a Descriminalização do Aborto.

"A sentença representa uma esperança para as mulheres que ainda estão na prisão e também para as que estão a ser julgadas por homicídio qualificado", considerou a advogada de defesa Ana Martinez, citada pela Reuters.

“Estamos extremamente felizes e agradecidos pelo apoio de todos. Foi preciso o mundo inteiro para fazer os juízes e procuradores verem o que há anos andamos a dizer: uma emergência obstétrica não é um crime”, declarou Paula Avila-Guillen, membro da equipa de defesa de Imelda Cortez e diretora do departamento das Iniciativas para a América Latina da organização Women's Equality, com sede em Nova Iorque.

Nos últimos dois meses, foram registados dois casos de comutação da pena de 30 anos de prisão, aplicada para casos de homicídio. Teodora Vasquez e Maira Figueroa foram libertadas após 10 anos de prisão. Ambas tiveram um aborto espontâneo.

O Código Penal de El Salvador prevê uma pena de dois a oito anos de prisão para os casos de perda gestacional, mas os juízes acabam por considerar qualquer perda de feto – acidental ou intencional – como “homicídio agravado”. Por esta interpretação da lei, emitem sentenças de 30 a 50 anos de prisão.

El Salvador é um dos quatro países onde o aborto é ilegal em todas as circunstâncias, mesmo se a mulher for violada, a saúde da mãe estiver em risco ou o feto estar seriamente deformado. A legislação severa também se aplica a quem for suspeito de prestar assistência a quem tenta ou consegue abortar, mesmo em caso de perigo de vida da mulher.

O Presidente de El Salvador Sanchez Ceren propôs, em 2017, uma lei que permitisse a interrupção voluntária da gravidez para os casos de violação ou quando a vida da mãe estivesse em risco, mas o Congresso não a aprovou.

O aborto é considerado crime em El Salvados há 21 anos, na sequência de uma votação por deputados de todos os quadrantes políticos, sem que tivesse sido realizado qualquer debate público ou consultados especialistas sobre as consequências para a saúde das mulheres.
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