Lendário soldado espanhol morre aos 99 anos de Covid-19

por RTP
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Rafael Gómez Nieto sobreviveu a duas das guerras mais mortíferas do século XX e atingiu os 99 anos de idade. Morreu ontem de Covid-19 em Estrasburgo.

Gómez Nieto era filho de um soldado da Guarda Real de Afonso XIII, nascido na cidade andaluza de Almeria há quase um século. Quando começou a Guerra Civil de Espanha (1936-1939), combateu nas fileiras do exército republicano. Participou na batalha do Ebro, que ao longo de quatro meses se tornou a mais sangrenta das batalhas daquele conflito. Depois da derrota, atravessou os Pirenéus para se refugiar em França, com mais meio milhão de espanhois. Como tantos outros, ficou internado num campo de concentração.

Durante a Segunda Guerra Mundial, alistou-se na 2ª Divisão Blindada do general Philippe Leclerc, que continuou a combater contra a Alemanha nazi no teatro de guerra africano. Com ele estavam outros 146 militares espanhois, constituindo a quase totalidade da 9ª Companhia, que excepcionalmente era autorizada a combater sob as cores da bandeira republicana.

À Companhia "espanhola" coube a glória de ser a primeira a entrar na capital francesa tomada aos nazis, em 24 de agosto de 1944. Ao entrar, ocupou os edifícios públicos e a Praça da Concórdia, sem esperar a rendição do comandante alemão, Dietrich von Choltitz.

Foi o comandante da companhia espanhola, tenente Granell, quem tomou oficialmente posse da cidade, em conjunto com as autoridades da resistência francesa. As tropas aliadas sob o comando do general de Gaulle apenas entraram em Paris no dia seguinte. Apesar do protagonismo espanhol na resistência e nas tropas regulares francesas que ocuparam Paris, e apesar das 50 cruzes de guerra que os feitos dos espanhois nesse dia valeram a membros da companhia, de Gaulle não os mencionou no discurso da vitória.

A história oficial francesa cultivou durante largas décadas o mito nacionalista da Resistência, ignorando a participação e até o pioneirismo que nela tiveram os republicanos espanhois. Mais recentemente tem-se feito justiça a esse papel e Gómez Nieto foi condecorado com a Legião de Honra.
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