Luta de drones em Tripoli. O que se passa na Líbia?

por RTP
No início de maio, o Aeroporto Internacional de Mitiga, em Tripoli, foi atingido por bombardeios. Os ataques foram atribuídos ao Exército Nacional Líbio, mas Haftar negou as acusações. Ismail Zitouny - Reuters

Nas últimas semanas, a luta pelo poder na Líbia tem levado a novos confrontos entre o Governo de Acordo Nacional líbio, reconhecido pelas Nações Unidas, em Trípoli, e o Exército Nacional Líbio, do marechal Khalifa Haftar, que controla partes do país. Cada vez mais uma guerra por procuração que opõe a Turquia de um lado, e a Rússia, Egito e Emirados Árabes Unidos, do outro, o conflito parece encaminhar-se para uma situação de impasse em que nenhum dos lados vence. E apesar do embargo de armas ditado pelas Nações Unidas, os dois lados da barricada continuam a receber novos equipamentos, com destaque para os drones.

Há pouco mais de uma semana, a 18 de maio, as forças afetas ao Governo de Acordo Nacional líbio conseguiram recuperar a base aérea de Watiya, um local estratégico que estava sob controlo de Haftar há vários anos e lhe conferia grande vantagem na tentativa de tomar a capital líbia.

A importância desta base aérea explica-se pela sua relativa proximidade a Trípoli, cidade que o Exército Nacional Líbio procura conquistar numa ofensiva que durava há já mais de um ano de forma a derrubar o executivo reconhecido pela comunidade internacional, liderado pelo primeiro-ministro Fayez al-Sarraj.

Nesta luta entre fações que é cada vez mais uma guerra por procuração, o apoio externo tem-se tornado cada vez mais relevante: se a Rússia, Egito e os Emirados Árabes Unidos apoiam Haftar, a Turquia está ao lado do Governo de Tripoli. Desde dezembro de 2019 que o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, tem apostado num reforço técnico e humano deste apoio, em particular com o envio de drones a Bayraktar.
Drones dos EAU contra drones turcos
Perante a súbita onda de conquistas importantes do Governo de Acordo Nacional – para além da base aérea, Haftar perdeu ainda as pequenas cidades de Tiji e Bader -, os Emirados Árabes Unidos já vieram apelar a um cessar-fogo no território líbio. Os russos dão sinais de apoiar esse cessar temporário dos confrontos, ainda que na passada terça-feira os Estados Unidos tenham acusado Moscovo de enviar aviões de caça em auxílio de Haftar.

“A Rússia está claramente a tentar fazer pender a balança a seu favor na Líbia, à semelhança do que fez na Síria, e está a intensificar o seu envolvimento militar em África”, referiu em comunicado o general Stephen Townsend, comandante das forças norte-americanas em África.

Para além dos aviões de combate russos, Moscovo terá igualmente utilizado grupos de mercenários no apoio às forças de Haftar. A chegada de novo armamento e o reforço do apoio russo sinaliza que um hipotético cessar-fogo teria apenas o propósito de permitir recarregar e armar o lado que está neste momento mais fragilizado.

Essa indicações ténues de uma eventual intenção de implementar um novo cessar-fogo surgem depois de o Governo de Trípoli ter conseguido também destruir sistemas de defesa antiaérea de fabrico russo, o que por sua vez deixou mais expostos os drones facultados à fação de Haftar pelos Emirados Árabes Unidos.

Estes mesmos drones e o poderio aéreo do Exército Nacional Líbio até agora tinham sido relevantes para os ataques recorrentes a algumas das infraestruturas fundamentais da cidade, inclusive contra Embaixadas e aviões de passageiros do aeroporto de Mitiga, mas também como forma de evitar a chegada da própria ajuda turca à capital.
"'Sirização' da Líbia"

Para Ghassan Salame, representante da Líbia junto da ONU, esta é “a maior guerra de drones do mundo”, apesar do embargo às armas definido na resolução 1970 de 2011 do Conselho de Segurança.

Alex Gatopoulos, analista da Al Jazeera para questões de Defesa, aponta que as próprias características do território líbio ajudam a explicar o papel central dos combates aéreos. “O terreno relativamente plano e desértico do Norte e da zona costeira significa que as unidades terrestres são facilmente identificadas e que há poucos locais de esconderijo”. explica.

No entanto, esta luta nos ares só é possível com a intervenção externa da Turquia, Rússia e Emirados Árabes Unidos, até porque as duas principais fações em guerra na Líbia – pró-governo e forças leais a Haftar – dispõem apenas de caças franceses ou aparelhos da era soviética, antiquados, completamente ultrapassados e com fracas condições para operarem.

Perante a situação, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Jean-Yves le Drian, disse esta quarta-feira que a situação na Líbia está a “aprofundar-se” e a replicar o caos vivido em países vizinhos. “Estamos a assistir a uma ‘sirização’ da Líbia”, acrescentou, citado pelas agências internacionais.

Desde 2011, com a queda do regime de Muammar Kadhafi, que a Líbia está mergulhada numa profunda crise política, económica e securitária. Várias fações disputam o território líbio, sendo que as Nações Unidas apenas reconhecem o Governo de união nacional, estabelecido em 2015.

Nos últimos anos, o principal opositor ao executivo sediado em Tripoli e reconhecido pela comunidade internacional, tem sido o marechal Haftar, um militar dissidente da era de Kadhafi, que conta com apoio de países como a Rússia, Emirados Árabes Unidos e Egito e que continua a controlar grande parte do território da Líbia.

Khalifa Haftar até foi próximo de Kadhafi na altura em que este assumiu o poder na Líbia, em 1969, mas acabou por entrar em confronto com o antigo líder líbio. Esteve exilado nos Estados Unidos até 2011, quando os protestos que eclodiram durante a Primavera Árabe levaram à queda de um regime de décadas.

Por outro lado, o Governo reconhecido pela comunidade internacional não tem sido capaz de se sobrepor de forma decisiva a um executivo e parlamento paralelos e rivais que foram estabelecidos na cidade de Tobruk, bastião das milícias de Haftar, nem de dominar por igual as várias regiões de um país com fraca coesão territorial.
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