Mali assume diálogo com jihadistas

por RTP
"Como o número de mortes no Sahel está a tornar-se elevado, acredito que está na hora de ouvir certas vozes", afirmou o Presidente Ibrahim Boubacar Keita Michele Tantussi - Reuters

O Presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, assumiu esta semana à Radio France Internationale e à France 24 o diálogo com os líderes jihadistas ativos no país. Esta mudança de estratégia deve-se à falha do método utilizado até ao momento.

“Hoje tenho o dever e a missão de criar todos os espaços possíveis e de fazer tudo para que, de uma maneira ou de outra, possamos alcançar alguma tranquilidade. Como o número de mortes no Sahel está a tornar-se elevado, acredito que está na hora de ouvir certas vozes”, afirmou o Presidente.
A região do Sahel compreende uma faixa de entre 500 a 700 quilómetros de largura e 5400 quilómetros de comprimento, estendendo-se desde o deserto do Saara, a norte, à savana do Sudão, a sul.


Desde a sua eleição, em 2013, que o Presidente do Mali nunca deixou de proclamar publicamente a aversão aos que "uma poça de sangue separa". O facto é que as ações de "neutralização", realizadas principalmente por soldados franceses, não impediram a ameaça.

O ano de 2019 foi o mais mortífero do Sahel. Segundo as Nações Unidas (ONU), os ataques terroristas no Mali, Níger e Burkina Faso já mataram pelo menos quatro mil civis e militares.

Ibrahim Boubacar Keita assumiu abertamente uma prática já em funcionamento. Contudo, feita discretamente. “Sempre foram mantidos contactos com os jihadistas para permitir trocas de prisioneiros”, explicou.

Em 2019, um chefe dos serviços de informações militares e o advogado Hassan Barry, conhecido por defender supostos jihadistas, encontraram-se com Amadou Koufa, o chefe da Frente de Libertação do Macina, no centro do país. A operação foi aprovada pelas autoridades. Mas parou repentinamente em novembro. Em causa está o acelerar das operações militares na área.

Em menor escala, estão outras iniciativas que também foram realizadas discretamente. Boubacar Ba, do Centro de Análise e Segurança do Saara, explicou que, “com o acordo das autoridades, trabalhou com um subgrupo da Frente de Libertação do Macina em cinco municípios do círculo de Mopti”.

Acrescentou que conseguiu “um acordo verbal sobre a reabertura de escolas - sob condição de que sejam regidas por moradores locais, centros de saúde ou até a garantia de mercados e feiras”. A ideia de negociar com líderes jihadistas, já lançada em 2016, antes de ser abandonada sob pressão francesa, voltou a ser divulgada publicamente após o "diálogo nacional inclusivo". Este terminou a 22 de dezembro de 2019.

Quanto à resposta do Governo, esta não foi muito clara. Mas a chegada, no final de 2019, de células do Estado Islâmico mudou tudo.

No final de janeiro, o alto representante do Presidente para o centro do Mali, Dioncounda Traoré, afirmou que tinha "enviado emissários para [Amadou] Koufa e Iyad [ag Ghali]", os dois principais líderes jihadistas no país.

"Estamos prontos para construir pontes de diálogo com todos, em algum momento devemos sentar-nos à mesa e conversar", referiu Traoré.

A instabilidade que está a afetar o Mali iniciou-se com o golpe de Estado em 2012, quando vários grupos rebeldes e organizações fundamentalistas tomaram o poder do norte do país durante dez meses.

Os fundamentalistas foram expulsos em 2013 graças a uma intervenção militar internacional liderada pela França. Mas as extensas áreas do país, sobretudo no norte e no centro, escaparam ao controlo estatal e são, na prática, geridas por grupos rebeldes armados.
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