Manifestantes repelidos com gás lacrimogéneo para Trump tirar fotos numa igreja
Enquanto o presidente dos EUA discursava e se autoinitulava “presidente da ordem e da lei”, os manifestantes que protestavam contra a morte de George Floyd no exterior da Casa Branca na segunda-feira eram brutalmente dispersados pela polícia com gás lacrimogéneo. Tudo para que Donald Trump pudesse cumprir uma sessão fotográfica numa igreja próxima. Membros da Igreja e deputados norte-americanos já vieram criticar a atitude de Trump, acusando o presidente de “desonrar a fé” e de usar a Igreja como “adereço”.
O grupo de manifestantes foi repelido para que a polícia pudesse abrir caminho para Trump e a sua comitiva se deslocarem até à Igreja Episcopal de São João, localizada perto da Casa Branca, e que ficou degradada na sequência de atos de vandalismo à margem dos protestos contra o racismo da noite anterior.
Tear gassing and rubber bullets to clear the White House protests half an hour before curfew. #protests2020 #blacklivesmatter #JusticeForGeorgeFloyd #dcprotests pic.twitter.com/3I2AxGphFY
— Michael Galant (@michael_galant) June 1, 2020
Ao chegar à chamada igreja dos presidentes, onde deflagrou um incêndio na noite de domingo, o presidente dos EUA protagonizou uma sessão fotográfica que se prolongou por 17 minutos. “Temos o melhor país do mundo”, disse Donald Trump enquanto segurava uma bíblia e tirava fotografias, com o barulho das sirenes e das vozes dos manifestantes como fundo.
Enquanto os manifestantes eram dispersados, Donald Trump discursava nos jardins da Casa Branca onde se autointitulou “presidente da ordem e da lei e aliado de qualquer manifestante pacífico”. O presidente norte-americano classificou os protestos contra a morte do afro-americano George Floyd como “terror interno” e prometeu mobilizar recursos “civis e militares” para conter “os motins e as pilhagens” e “restaurar a segurança” no país.
Bispa acusa Trump de usar igreja como “adereço"
A bispa da Diocese Episcopal de Washington diz estar “indignada” por a polícia norte-americana ter usado gás lacrimogéneo e balas de borracha para abrir caminho para Donald Trump.
“Não recebi sequer uma chamada de cortesia a informar de que iriam limpar [a área] com gás lacrimogéneo para que pudessem usar uma das nossas igrejas como adereço”, disse Mariann Budde, bispa diocesana.
Budde diz que a mensagem do presidente dos EUA está em desacordo com os valores de compaixão e tolerância adotados pela Igreja e descreveu a visita de Trump como uma oportunidade de usar a igreja e a Bíblia como “pano de fundo”.
“Deixem-me ser clara, o presidente apenas usou a Bíblia e uma das igrejas da minha diocese, sem permissão, como pano de fundo para uma mensagem que é a antítese dos ensinamentos de Jesus”, disse Budde à CNN.
"Ele não rezou. Ele não mencionou George Floyd, não mencionou a agonia das pessoas que foram sujeitas a este tipo de expressão horrível de racismo e supremacia branca por centenas de anos”, disse ainda Budde. “Precisamos de um presidente que possa unificar e curar. Ele fez o oposto disso e nós ficámos a remediar os estragos", concluiu a líder da diocese.
Michael Curry, o primeiro afro-americano líder da Igreja Episcopal dos EUA, acusou Trump de usar a igreja e a Bíblia para “fins políticos”.
For the sake of George Floyd, for all who have wrongly suffered, and for the sake of us all, we need leaders to help us to be “one nation, under God, with liberty and justice for all.”
— Presiding Bishop Michael Curry (@PB_Curry) June 2, 2020
“Pelo bem de George Floyd, por todos os que sofreram injustamente, e pelo bem de todos nós, precisamos de líderes para nos ajudar a ser “uma nação, sob Deus, com liberdade e justiça para todos””, escreveu Curry na sua conta do Twitter.
Lembrando o papa João Paulo II, que dá o nome à igreja, Gregory sublinhou que “ele certamente não toleraria o uso de gás lacrimogéneo e outros impedimentos para silenciá-los, dispersá-los ou intimidá-los por uma oportunidade fotográfica em frente a um local de culto e de paz”.
A presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, e o líder da minoria democrata no Senado, Chuck Schumer, também criticaram a inesperada visita de Trump à Igreja Episcopal de São João.
“Numa altura em que o nosso país clama por união, este presidente está a destruir tudo”, declararam os dois deputados num comunicado publicado na segunda-feira. “Atirar gás lacrimogéneo a manifestantes pacíficos sem provocação, só para que o presidente pudesse posar no exterior de uma igreja, desonra cada valor que a fé nos ensina”, acrescentam.
A morte do afro-americano motivou a saída à rua de milhares de pessoas em várias cidades dos EUA. Alguns dos protestos acabaram em confrontos entre a polícia e os manifestantes e já foram feitas mais de cinco mil detenções.
Entre os protestos, existem também manifestações pacíficas e há, inclusivamente, exemplos de solidariedade por parte de vários agentes policiais que se juntam às marchas contra o racismo e a violência policial.