Marcelo Rebelo de Sousa vê "decisão forte" na chamada do embaixador português na Rússia

por Christopher Marques - RTP
O Presidente considera que o governo toma uma "decisão forte" ao chamar a Lisboa o embaixador português. Mário Cruz - Lusa

O Presidente da República considera que o governo toma uma "decisão forte" ao chamar a Lisboa o embaixador português em Moscovo. Marcelo Rebelo de Sousa entende que esse gesto, anunciado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros em entrevista ao Telejornal, é um aviso à Rússia.

É um “aviso”, uma “decisão forte” e uma “forma muito clara de sinal”. São as palavras usadas por Marcelo Rebelo de Sousa quando confrontado com a reação do Governo português ao alegado envenenamento de um ex-espião russo por Moscovo em território britânico.

Ao contrário do movimento diplomático protagonizado por mais de 20 países, incluindo o Reino Unido, Espanha, França e os Estados Unidos, Portugal continua sem expulsar nenhum diplomata russo. Em entrevista ao Telejornal, o ministro dos Negócios Estrangeiros anunciou que o embaixador português em Moscovo foi chamado para consultas a Lisboa.

"É uma forma muito clara de sinal ou, se quiser, de aviso", afirmou Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas, antes de acrescentar: "É uma decisão forte por parte do Estado português".

Marcelo Rebelo de Sousa explicou ainda que "a chamada do embaixador de Portugal em Moscovo para consultas a Lisboa” significa que “durante um período, mais ou menos curto, mais ou menos longo, a presença do mais alto representante diplomático português num país deixa de existir".

Na entrevista à RTP, o ministro dos Negócios Estrangeiros rejeitou a ideia de que Portugal está fora do movimento internacional ao não expulsar diplomatas russos. Augusto Santos Silva recordou que Portugal é membro da NATO e que apoiou a proposta do secretário-geral da Aliança Atlântica de expulsar sete diplomatas russos.

O chefe da diplomacia afirmou ainda que, enquanto Estado-membro da União Europeia, Lisboa subscreveu a decisão do Conselho de chamar o embaixador europeu em Moscovo para consultas.
"Prudência" portuguesa

À concertação nas posições multilaterais (União Europeia e NATO), junta-se a diferenciação nas posições no plano nacional, com a não expulsão de diplomatas russos. Santos Silva explicou que Portugal "usa da prudência de forma a defender os interesses nacionais" no plano das relações bilaterais com Moscovo.

Questionado no Telejornal sobre que interesses concretos são esses, o ministro destacou que este é um assunto em que o país é soberano e a "lógica de não-confrontação há que caracteriza muito a nossa política externa".

Augusto Santos Silva sublinhou ainda os interesses "diretos e indiretos" de Portugal noutras latitudes, para além da pertença à União Europeia e à Aliança Atlântica.

Aliás, de momento, Portugal é um dos poucos países da União Europeia com o qual a Rússia não tem problemas. As relações comerciais têm evoluído de forma lenta. O mercado russo é apetecível para muitas empresas e o território luso cada vez mais visitado por turistas russos.

Ainda em fevereiro de 2018, o chefe da diplomacia portuguesa reuniu-se com o seu homólogo russo. Augusto Santos Silva não escondia o interesse em ser ponte de diálogo para e com a Rússia num momento de relações difíceis entre Moscovo e o ocidente. Uma manifestação apresentada uma semana antes do envenenamento do ex-espião Serguei Skripal.

Na entrevista de terça-feira ao Telejornal, Augusto Santos Silva não deixou de afirmar que o processo agora iniciado é "dinâmico" e que muita coisa poderá ser alterada, inclusive a dimensão da resposta portuguesa.

Até ao momento, mais de 140 diplomatas russos foram expulsos de 26 países, entre eles os Estados Unidos, França e Espanha. Só Washington decidiu expulsar 60 representantes e encerrar um consulado em território norte-americano.

Esta ação internacional concertada é a resposta do ocidente ao alegado envenenamento do ex-espião russo Sergei Skripal e da sua filha em Salisbury, no sul de Inglaterra. A Rússia já prometeu responder.
Skripal, duplo espião
O caso remonta aos primeiros dias de março quando o antigo responsável do Departamento Central de Inteligência na Rússia foi alvo de um ataque com um agente tóxico nervoso juntamente com a filha. Londres acusou Moscovo de ser responsável por este ato. O ex-espião e a sua filha mantêm-se internados.

Skripal, o homem que está na origem desta querela diplomática, foi condenado em 2006 a 13 anos de prisão, tendo sido acusado de espiar ao serviço das autoridades britânicas e de colaborar com o serviço secreto britânico, a MI6.

Na altura, Skripal admitiu ter cedido nomes, moradas e nomes-código de “várias dezenas” de agentes russos às autoridades britânicas durante um período de dez anos.

Quatro anos depois, em 2010, Skripal integrou uma permuta de ex-espiões em Viena, ao estilo da Guerra Fria, onde a libertação de dez agentes plantados por Moscovo nos Estados Unidos implicou a libertação de quatro cidadãos russos. Estava desde então exilado no Reino Unido.

Na memória das autoridades britânicas está o envenenamento de Alexander Litvinenko, dissidente de Moscovo e antigo responsável de inteligence, que morreu em Londres, em 2006, depois de ter ingerido uma bebida contaminada com a substância radioativa Polonium-210. Mais tarde, uma investigação britânica viria a revelar que o homicídio fora muito provavelmente ordenado pelo Kremlin.
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