Março: Tragédia nos Alpes Franceses

Em 2014 vimos desaparecer o avião da Malaysia Airlines, a 8 de março. Meses mais tarde, outro avião da mesma companhia era abatido enquanto sobrevoava o território de uma Ucrânia instável e em guerra. Em 2015, os motivos para o desastre foram outros. O voo 9525 da Germanwings partiu de El Prat, em Barcelona, a 24 de março, e tinha como destino Dusseldorf, na Alemanha. Despenhou-se nos Alpes franceses e provocou a morte dos 150 passageiros a bordo, incluindo a tripulação. Andreas Lubitz procurou a morte e levou consigo mais 149 pessoas.

Foi o desastre aéreo mais grave em território francês em 14 anos, desde o incêndio com o Concorde da Air France, a 25 de julho de 2000, quando um vazamento de combustível levou ao incêndio do aparelho e fez 113 mortos. Mas no fatídico dia 24 de março de 2015, a morte de 150 pessoas, entre passageiros e tripulação, não foi um acidente.
 
Lubitz, o co-piloto daquele voo, tinha vários registos médicos de depressão e terá aproveitado uma ida à casa de banho do piloto para se trancar sozinho no comando do avião.


Fátima Marques Faria, Raquel Gomes, Guilherme Terra - RTP (26 de março)

Nos dias que antecederam a tragédia, pesquisou na internet vários métodos de suicídio e as regras de segurança das portas do cockpit dos aviões. As respostas finais acerca do que aconteceu naquela manhã de terça-feira só poderão ser conhecidas nos próximos anos de investigação, mas Brice Robin, procurador francês responsável por este caso, não tem dúvidas sobre o objetivo de Lubitz: “Não sei o que se passou na cabeça dele. Mas a intenção era claramente de destruir o avião”.
Dez minutos de terror

Entre 2008 e 2009, o jovem foi obrigado a interromper os estudos enquanto piloto, também devido a uma depressão. As principais evidências de que este se terá tratado de um ato premeditado chegam do histórico médico.
Em 2009, a Lufthansa, companhia mãe da Germanwings, recusou-se por duas vezes renovar o certificado médico devido a depressão.

Amigos e família viam-no como “uma pessoa normal e amigável”, mas nos meses que antecederam o desastre, Lubitz transmitiu vários sinais de instabilidade mental consultando vários psicólogos e psiquiatras. Nem os médicos nem o próprio Lubitz informaram a companhia aérea de um diagnóstico de depressão que teria acabado de imediato com a sua carreira de piloto, tendo em conta registos anteriores de perturbações mentais.

Em setembro, alguns meses após o desastre, as autoridades responsáveis pelo caso revelaram os pormenores sobre a existência de um diário como parte integrante de um tratamento de psicoterapia a que Lubitz estava sujeito. Nas anotações entre 1 de janeiro e 8 de março de 2015, Lubitz revela a sua instabilidade mental, com episódios de insónia e noites consecutivas a dormir apenas três a quatro horas. Entre as páginas escritas pelo copiloto, surgem subscrições de medicamentos anti-depressivos e tranquilizantes.

Mirtazapine, um medicamento que pode ter efeitos drásticos e perigoso, a que juntou mais medicamentos num cocktail fatal.


Rita Marrafa de Carvalho, Miguel Teixeira - RTP (26 de março)

O
jovem de 27 anos era alemão nascido em Montabaur e trabalhava para a Germanwings, filial da transportadora aérea Lufthansa, desde setembro de 2013, juntando mais de 630 horas de experiência em voo. Naquele mesmo dia, no voo anterior realizado no mesmo Airbus A320, entre Dusseldorf e Barcelona, Lubitz tinha feito várias descidas rápidas do aparelho, colocando-o na altitude mínima permitida. Mas passageiros e piloto não se aperceberam das mudanças abruptas, tendo estas apenas ficado registadas no sistema.

As gravações contidas na caixa negra do avião revelam o que aconteceu no voo seguinte. Lubitz trancou-se sozinho dentro do cockpit depois de o capitão se ter ausentado durante minutos para ir à casa de banho. Sozinho no controlo do avião, o copiloto engendrou na descida fatal.

A gravação revela que dez minutos antes de embater no solo, o capitão tenta voltar a entrar no cockpit com pancadas cada vez mais violentas na porta. Lubitz responde com silêncio e respiração regular. Ignora gelidamente as 11 tentativas de contacto radiofónico com 11 diferentes frequências de controladores de tráfico aéreo, sistemas de defesa aérea e um outro aparelho próximo. “Ele não disse uma única palavra, esteve em silêncio total”, disse o procurador francês, durante a apresentação de um relatório preliminar apresentado em maio pelo BEA, a autoridade francesa para a análise de questões de segurança da aviação civil.

Os gritos generalizados em todo o avião surgem nos últimos segundos. Só no derradeiro minuto os passageiros se terão apercebido do destino que os esperava. Segundo as autoridades envolvidas na investigação, a morte dos tripulantes foi “imediata“, com o aparelho a embater na zona montanhosa enquanto viajava a 700 quilómetros por hora. O próprio Lubitz ter-se-á arrependido tarde demais da sua decisão, já que o sistema do avião registou uma tentativa de mudar a trajetória, 93 segundos antes do embate.
Mudanças na aviação

Três dias depois do desastre, a TAP e outras companhias aéreas nacionais e mundiais, incluindo a AirCanada ou a easyJet, procediam a alterações no manual de segurança durante o voo, ao introduzir a obrigatoriedade de ter constantemente duas pessoas da tripulação no controlo do avião em todos os momentos do voo.

As estritas normas de segurança no acesso ao cockpit, introduzidas sobretudo na sequência dos ataques de 11 de setembro, acabaram neste caso por ter o efeito inverso. Tal como a transportadora aérea portuguesa, o Governo canadiano e quatro companhias low-cost foram as primeiras a introduzir as novas regras.
 
A diretiva emitida pelo Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC) foram adoptadas pela TAP, Portugália, SATA, e outras operadoras no espaço aéreo português, mas não passaram sem críticas. Alguns pilotos e co-pilotos queixaram-se na altura desta medida, dizendo-se “expostos” a uma pessoa da tripulação que pouco ou nada conhecem. Houve até especialistas do National Transportation Safety Board, nos Estados Unidos, a sugerir a introdução de um terceiro piloto a bordo para evitar situações semelhantes à que aconteceu nos Alpes.


Marta Pacheco - Antena 1 (25 de março)

Para lá das questões de segurança, o medo generalizado por parte das companhias que outros pilotos e copilotos copiassem a ideia de Lubitz levou ao controlo mais apertado da circulação aérea. O desastre nos Alpes trouxe também para a discussão a forma como pilotos e tripulação são avaliados psicologicamente pelas companhias aéreas. A Organização Internacional da Aviação Civil, integrada na ONU, reagiu ao desastre em comunicado, reforçando a necessidade de “exames psicológicos periódicos”, em paralelo com todos os exames de cariz físico.

Felizmente, suicídios de pilotos são extremamente raros na história da aviação civil mundial. Nas últimas décadas, a registar três casos concretos, incluindo um voo da Mozambique Airlines que caiu na Namíbia em 2013, um aparelho da Egypt Air que caiu em pleno Oceano Atlântico em 1999 e um outro da Silk Air, que se despenhou na Indonésia no ano de 1997. Na ausência de provas ou evidências, a tese de suicídio do piloto não é descartada pelos investigadores que procuram o voo da MH370 Malaysia Airlines, desaparecido desde março de 2014.