Massacre de Palma. Serviços de informações "falharam" e Governo embarcou num "triunfalismo ingénuo"

por Lusa

Analistas consideraram hoje que o ataque à vila de Palma revela "o falhanço" dos serviços de informações e das forças governamentais moçambicanas, denotando ainda o erro de um "triunfalismo ingénuo" na luta contra o "extremismo violento".

Adriano Novunga, politólogo e diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), organização da sociedade civil moçambicana, disse à Lusa que a investida de grupos armados na vila de Palma revela "o falhanço dos serviços de informações e das Forças de Defesa e Segurança" na contenção da ação de insurgentes na região.

"A dimensão do ataque mostra um grau de preparação e sofisticação que não foram detetados pela inteligência militar e pelas Forças de Defesa e Segurança", declarou Adriano Nuvunga.

A ação, prosseguiu, tem "um grande valor simbólico" para os grupos armados, porque atingiu o que pode vir a ser o coração do crescimento da economia de Moçambique nas próximas décadas, com o desenvolvimento dos projetos de gás.

"É um ataque dentro de Moçambique, mas não atinge apenas Moçambique, porque foi realizado dentro do novo perímetro de segurança dos projetos de gás natural, onde estão multinacionais do setor petrolífero e muitos técnicos estrangeiros, incluindo ocidentais", destacou.

O diretor do CDD considerou igualmente haver uma "confusão na coordenação" do combate aos grupos armados entre as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), Polícia da República de Moçambique (PRM) e empresas de segurança privada que estão a operar na região.

Por seu turno, Muhamad Yassine, especialista em Relações Internacionais e docente na Universidade Joaquim Chissano, uma instituição estatal, considerou que o Governo tem "subestimado" as várias dimensões que fizeram prosperar o "extremismo violento" no norte de Moçambique.

"O Governo precisa de compreender as diversas componentes daquele conflito e avançar rapidamente com estratégias de combate ao extremismo violento", afirmou Muhamad Yassine, antigo deputado pela Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), principal partido da oposição.

A luta contra os grupos armados em Cabo Delgado passa por identificar e abordar a componente local da insurgência, alimentada pelo sentimento de exclusão e marginalização social, e a componente externa, que integra combatentes filiados ao radicalismo islâmico, acrescentou.

"Temos de aprender dos outros países africanos como é que se conseguiu conter o avanço do radicalismo, nos casos em que isso verdadeiramente aconteceu", salientou.

Muhamad Yassine alertou para o risco da disseminação do extremismo no norte de Moçambique, nomeadamente para as províncias de Niassa e Nampula, assinalando que foram detetados núcleos de doutrinas radicais em alguns locais das duas províncias.

Fernando Lima, presidente e jornalista da Mediacoop, o primeiro grupo de media privado em Moçambique, referiu que "o Governo subestimou o extremismo e embarcou num triunfalismo ingénuo" na guerra contra os grupos armados.

"Vimos nos últimos dias um certo triunfalismo ingénuo, se calhar tentando dar a entender que há capacidade interna para resolver o conflito", declarou Lima.

O ataque à vila de Palma, que é coberto pelo novo perímetro de segurança dos projetos de gás natural, é "significativo" e mostra um grau de "sofisticação dos insurgentes", acrescentou.

"Quando o ataque acontece algumas horas após um comunicado conjunto entre o Governo e a Total, sobre o reinício pleno da construção do projeto de gás natural, então há uma mensagem que se pretende enviar", considerou Fernando Lima.

A vila sede de distrito que acolhe os projetos de gás do norte de Moçambique foi atacada na quarta-feira por grupos insurgentes `jihadistas` que há três anos e meio aterrorizam a região.

Dezenas de civis, incluindo sete pessoas que tentavam fugir do principal hotel de Palma, no norte de Moçambique, foram mortos pelo grupo armado que atacou a vila na quarta-feira.

A violência está a provocar uma crise humanitária com quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.

Vários países têm oferecido apoio militar no terreno a Maputo para combater estes insurgentes, cujas ações já foram reivindicadas pelo autoproclamado Estado Islâmico, mas, até ao momento, ainda não existiu abertura para isso, embora existam relatos e testemunhos que apontam para a existência de empresas de segurança e de mercenários na zona.

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