"Medíocre". França exclui Reino Unido de reunião sobre crise migratória após carta de Boris Johnson

por Joana Raposo Santos - RTP
A decisão foi conhecida horas depois de Boris Johnson ter escrito uma missiva ao presidente Emmanuel Macron. Guglielmo Mangiapane - Reuters

As conversações entre a secretária de Estado para os Assuntos Internos do Reino Unido e o ministro francês do Interior sobre a crise migratória no Canal da Mancha foram canceladas por Paris. A tensão política entre as duas nações está a aumentar depois de, esta semana, um naufrágio ter vitimado dezenas de migrantes que seguiam em barcos semirrígidos desde a costa de França, na tentativa de chegarem a solo britânico.

Gérald Darmanin, titular da pasta francesa do Interior, escreveu à homóloga britânica Priti Patel para lhe comunicar que a reunião, agendada para domingo, irá realizar-se sem a presença de representantes do Reino Unido.

A decisão foi conhecida horas depois de o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, ter escrito uma missiva ao presidente Emmanuel Macron com cinco sugestões “urgentes” de como evitar novas tragédias no Canal da Mancha, que separa as duas nações.

A carta foi divulgada na rede social Twitter mesmo antes de ter chegado às mãos do líder francês e Paris não gostou do seu conteúdo. Para Darmanin, a proposta britânica de que França aceitasse de volta os migrantes que chegassem por mar a Inglaterra foi “uma desilusão”.

“E tornar [esta proposta] pública foi ainda pior. Assim sendo, preciso de cancelar a nossa reunião em Calais no domingo”, anunciou o ministro francês do Interior.


O porta-voz do Governo de França foi mais longe, chamando à carta de Boris Johnson “medíocre em termos de conteúdo e altamente inapropriada em termos de formato”.

“Medíocre porque não respeita todo o trabalho que tem sido feito pelos nossos guardas costeiros, polícias, militares e equipas de resgate”, explicou Gabriel Attal. “Basicamente, a missiva propõe um acordo de realocação, o que não é claramente o necessário para resolver este problema”.

O representante do Executivo frisou que este está “cansado de toda esta conversa dupla e da terceirização dos problemas”.
França, Bélgica, Países Baixos, Alemanha e Comissão Europeia na reunião
A reunião sobre a crise migratória marcada para este domingo na cidade francesa de Calais incluía, inicialmente, os ministros de todos os Estados com costas adjacentes ao Canal da Mancha.
Antes do anúncio público por Gérald Darmanin sobre a exclusão do Reino Unido, a agência France-Presse tinha já avançado que o encontro iria realizar-se sem a secretária de Estado Priti Patel devido à carta “inaceitável” de Boris Johnson, segundo uma fonte do Executivo francês.

“Consideramos a carta do primeiro-ministro britânico inaceitável e contrária às discussões que tivemos com os nossos homólogos”, referiu a fonte.

“Por essa razão, Priti Patel já não está convidada para a reunião interministerial de domingo, que irá realizar-se apenas com França, Bélgica, Países Baixos, Alemanha e a Comissão Europeia”.
Boris Johnson agiu “em boa-fé”
Em resposta às acusações francesas, o secretário britânico dos Transportes, Grant Shapps, veio já negar que Boris Johnson tenha escrito a carta com a intenção de fazer manchetes na comunicação social, insistindo que a missiva foi redigida em boa-fé.

“Posso assegurar isto aos nossos amigos franceses e espero que eles reconsiderem”, apelou o responsável à estação Radio 4.

A principal proposta incluída na comunicação de Johnson a Macron passava por França começar, imediatamente, a levar de volta todos os migrantes que chegassem a Inglaterra após a travessia do Canal da Mancha.

Aceitar de volta estas pessoas “reduziria significativamente ou poderia até travar de todo as travessias, salvando milhares de vidas ao, fundamentalmente, quebrar o modelo de negócio dos gangues criminosos” do tráfico de seres humanos, considerou o chefe de Governo britânico.

A carta propõe ainda uma maior cooperação entre Reino Unido e França, nomeadamente através de patrulhas conjuntas das fronteiras, vigilância aérea e partilha de informações das agências de inteligência.
Vinte e sete vidas perdidas no naufrágio
As sugestões foram redigidas por Johnson apenas um dia depois de pelo menos 27 pessoas terem morrido num naufrágio ao largo do Canal da Mancha, numa viagem em barcos semirrígidos que partiram do porto francês de Calais e tentavam chegar a Inglaterra.

As autoridades já detiveram cinco pessoas suspeitas de tráfico de seres humanos que poderão estar ligadas a esta recente tragédia. Entre as vítimas mortais estão um adolescente e três crianças.

Na quinta-feira, depois de Boris Johnson ter dito encontrar “dificuldades em persuadir alguns aliados, em particular os franceses, a agir” perante a crise migratória, o primeiro-ministro britânico e o presidente francês falaram ao telefone.

Macron terá pedido que “os britânicos cooperem totalmente e se abstenham de instrumentalizar uma situação dramática para fins políticos”.
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