Mia Couto: "O que vem a seguir é talvez o mais grave"

por RTP

Mia Couto esteve em direto na RTP3 e contou um pouco do que é o sentimento dos moçambicanos perante a tragédia provocada pelo ciclone Idai. O escritor teme que o pior vai chegar quando as atenções já não estiverem viradas para Moçambique.

O escritor moçambicano diz que o maior drama é não saber o verdadeiro contorno e dimensão da tragédia. "É evidente que se trata" de uma tragédia de "escala que não se compadece com o movimento de solidariedade que está a nascer no interior de Moçambique", diz Mia Couto. "Há muita gente a querer fazer coisas". No entanto, considera que o que há a fazer agora "implica equipas profissionais" e uma ajuda em grande escala que tem de ser feita a "nível do poder e a nível das organizações que são especializadas em resgatar pessoas e em salvar vidas".

O que está a acontecer em Moçambique é uma espécie de "circo da miséria", diz o escritor. "Esta desgraça deixa a nú as fragilidades de um país com esta dimensão geográfica" e com "fragilidades institucionais que são óbvias, de um país que é pobre" e que não tem maneira de enfrentar tudo o que está a acontecer.

Mia Couto teme o que virá a "seguir à tragédia, quando esta deixar de aparecer nos jornais e na televisão". Um "rasto de tristeza e dor agora" que vai fazer "sofrer Moçambique e os moçambicanos durante anos. O que vem a seguir é talvez o mais grave".

Sobre a ajuda internacional, Mia Couto diz esperar que as equipas internacionais sejam guiadas por instituições que são moçambicanas, que as enquadrem do ponto de vista de um plano que existe em Moçambique para acudir à situação.

Para o escritor é claro que esta tragédia é muito maior que as cheias ocorridas em 2000. Enquanto as cheias estavam confinadas às zonas que envolviam os rios Lipopo e Zambeze, o ciclone Idai penetrou no território moçambicano e passou para o Zimbabué e o Malaui, onde estão as nascentes dos rios, partindo o país ao meio, que ficou sem ligações por estrada.

Mia Couto continua sem saber de alguns amigos que vivem na cidade da Beira, mas também teve boas notícias ao saber de outros que estão sãos e salvos.

A Beira tem uma grande necessidade de quase tudo, diz. "É preciso comida, água, abrigo, segurança". A Beira tornou-se numa cidade apocalíptica, já que a partir das quatro da tarde ninguém pode circular na cidade por falta de segurança. As escolas não abrirão tão cedo visto que estão a ser usadas como abrigos, o que vai durar ainda algum tempo. "A Beira está completamente destruída".

A cidade da Beira foi onde Mia Couto nasceu e passou grande parte da infância. O escritor diz que se sente órfão da memória porque perdeu uma das grandes referências da sua vida.
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